Vida de Gado

 

Bife bem passado, mal passado e acebolado, restaurantes lotados!  Churrascarias, espetos escorridos, pingando sangue… Sangue derramado de um gado, coitado! - Tão bom comer carne.  Ah, que churrasco mais saboroso! -. Carne, carne  e mais carne de um gado coitado. Matar para comer, e nem pensar de onde vem o sangue derramado.  

Nas estradas por onde andei, milhares de fazendas encontrei, e restaurantes lotados, muitos comem bife acebolado. De um pobre gado coitado… Campos de concentração nas fazendas de beira de estrada, e  o gado esperando para serem mortos e devorados. Ah, meu Deus do Céu, quanto sangue... Tanto sangue derramado!

São vacas, bois, bezerros, carneiros, porcos de montão, todos irão tombar e morrer para o ser humano viver e se manter de pé. Que paradoxal isso! E sigo com olhos de fotografo observando caminhões e mais caminhões carregados de bois e muitos animais. Essa frota de caminhão toma conta das estradas… Aí vou dirigindo vendo o todo o gado e pensando, - tão bom comer um bife acebolado, bem passado, mal passado… Mas e o sangue derramado? -.

Observo, chego perto, e vejo seus olhos arregalados…Lacrimejados… No silêncio fúnebre, eles choram e pedem socorro. E eu como um verdadeiro ser humano, olho em seus olhos, fico triste, nada faço  e sigo meu caminho… Talvez eu não tenha direção nem rumo certo, posso ir para onde bem quiser, mas aqueles gados, coitados, animais irracionais sabem bem para onde irão. Por isso choram, clamam e pedem socorro.

Certa altura do percurso paro para abastecer nos grandes postos de gasolina, e lá estão eles de novo! Aqueles caminhões carregados de gados amedrontados com seus olhos arregalados… Mais a frente na próxima parada, restaurantes lotados e nas mesas, gordos e magros comendo bife acebolado, carne moída daquele dos gados de olhos tristes. Continuo a viagem,  curtindo a paisagem, fazenda para todo lado, cheias do triste gado. Mas ao menos ali, eles pastam, caminham e muitos estão deitados. Não sei ao certo se sabem que logo serão devorados por nós. Nós, pobres  seres humanos coitados…

Eles estão em grupos, vivem juntos, caminham pelo pasto, trocam carinho entre si, se amam, se beijam. Eu ali parado com meu carro, vou fotografando tudo e observando os movimentos desse gado sofredor. Mas, como é bom um bife acebolado e mal passado...  Somos seres humanos, precisamos comer bem para termos forças para lutar, matar e morrer…

São milhares de quilômetros, milhares de campos de concentrações onde o gado aguarda enfileirado no meio daquele banhado para serem transportados e por nos seres humanos serem matados, devorados…  Eu não diferente de nenhum ser humano, já comi muito bife mal passado, acebolado!  Será que eu não sabia que para comer um bom bife precisa matar? Matar para comer e sobreviver???

Porque matamos?

Como bom ser humano racional que sou, não pensava que antes do bife mal passado e acebolado havia vida, alegria e o gado estava nas fazendas com aquelas cercas de arame farpado, pastando, vivendo e descansando. Há um conflito em minha cabeça entre o prazer de saborear um bom bife e a de deixar o fornecedor da carne, o pobre gado... Ah, como e bom um bife mal passado, acebolado! Como é bom um prato cheio, com muita carne, carne vermelha, a mesma cor do sangue derramado…

Porque será que não pensei antes em fazer essa viagem, e ver de onde vem todo esse gado e seu sangue?? Eu tive que libertar de mim para poder ver, fotografar e entender de onde vinha todo essa sangueira.

E continua a viagem… Fazendas e mais fazendas, milhares de alqueires com muito gado pastando… Ao longo da viagem percebo um grande espaço entre o coitado gado e o povo coitado… Fazendas e mais fazendas, muitas terras com o gado pastando esperando sua vez para o ser humano dar de comer.

Vou viajando e fotografando. Vejo caminhões e seu gado com frases de amor, carinho, respeito à vida… “Deus no comando -  Deus é  fiel - Deus me guia -Deus me protege - Com Deus eu sigo viagem - Deus é vida…” E a vida  desse pobre gado coitado? O gado ali dentro daqueles caminhões com suas línguas de fora a caminho da morte, pois os restaurantes estão lotados e o povo aguarda com a boca cheia de água, com fome querendo um bom bife mal passado, acebolado…

Chegando ao final de uma longa viagem, observando a triste sina do gado. Casa de minha mãe, mulher guerreira que já foi fazendeira e que também sabe preparar um bom bife acebolado e mal passado…

Estaciono meu carro alugado. Desci do carro, pé no chão, uma boa espreguiçada…E ali esta… Mais um caminhão que transporta gado! Caminhão grande, todo enfeitado. Filho D Santo é seu nome, em grande letreiro iluminado.

Todos os dias, três vezes ao dia o Filho D Santo vai fazer seu trabalho, transportar o gado coitado. Sonhando acordado e ouvindo o choro em silêncio, e pensando nos olhos do gado, resolvi ir atrás do Filho D Santo para ver de perto sua viagem.

Filho D Santo vai até as fazendas onde o gado enfileirado aguarda assustado para ser transportado e depois servir de alimento para o homem… Um a um, um atrás do outro em silêncio total com suas cabeças baixas vão seguindo por um caminho estreito e entrando no caminhão do Filho D Santo. Aqueles que se recusam ou andam mais lento, recebem choques elétricos, e com lanças agudas são espetados. Caminhão carregado, motor ligado, lá se vai o pobre do gado.

Ah, como e bom um bife mal passado acebolado!

Chegada ao seu destino final, o gado dá adeus ao seu mundo infernal, um a um vai descendo do Filho D Santo. Milhares de gado à espera da morte. Todos tristes e calados esperando para virar um bom bife mal passado acebolado…

Bife mal passado acebolado tem que ser fresco com sangue quente derramado, por isso milhares de cabeças de gado vão entrando nas esteiras e sendo levados para serem assassinados e e depois virarem bifes mal passados, acebolados…

A esteira para, o gado com olhos arregalados, chorando e muito assustado da um adeus final Bummm, uma arma de ar comprimido entra pelos ouvidos e estoura seus miolos…Bummm…Um a um toda a carga do Filho D Santo vai passando. Não leva minutos e estão todos esquartejados.

Como bom ser humano que sou, deixo o Filho D Santo do lado e vou correndo ver do outro lado para onde vai tanto sangue derramado.

Meu Deus do Céu e da Terra Também… E todos dizem Amém. Quanto sangue jorrado desse pobre gado! Restaurantes lotados à espera de um bom bife mal passado acebolado…

Filho D Santo, cumpriu seu dever da primeira entrega do dia, eram seis da manhã… Filho D Santo retorna ao seu destino, e fica esperando um novo chamado de alguma outra fazenda para levar mais gado. Coitado do gado que vira bife acebolado!

Ai, meu Deus quanto sangue derramado! Parece um mar vermelho… E quanta água desperdiçada para diluir e tirar o vermelho de todo aquele sangue derramado. Será que todos os seres humanos que devoram um bom bife acebolado, mal passado sabem de todo esse processo? Será que todo o ser humano pensa que a carne aparece em suas mesas açougues e mercados vem do além? 

Existe todo um processo, criar, engordar, observar seus passos nos pastos das fazendas. Depois um a um serão transportados por milhares de Filhos D Santos, e virarão carne moída, hambúrguer, linguiça, e logicamente, um bom e delicioso bife mal passado, acebolado…

Está na hora dessa vida de gado passar por cima de cercas de arames farpados e deixarem de ser pobre gado coitado!

E assim caminha a humanidade…

Sergio Goncalves

Chicago 29 de Fevereiro de 2016 23:35 hrs

Sergio Goncalves
Enviado por Sergio Goncalves em 01/03/2016
Reeditado em 30/04/2016
Código do texto: T5560385
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