Pássaros pretos

Hoje senti-me cair como há anos atrás, senti rasgar e quase rasgou. Quase rasguei. Senti queimar e por pouco não queimei. Hoje a mesma voz que fazia-me querer sangrar, dirigiu-me a palavra mais uma vez. E sangrei. Hoje quis me afogar, quis passar a responsabilidade de não mais existir à terceiros, mas se não tenho coragem pra calar decentemente essa voz, imagina se teria de deixar outro me sangrar. Mas caso passe por aqui, por perto e eu não estiver, infelizmente não sei mais dizer onde poderia estar. Por querer estar em qualquer lugar, e não poder, e quase não mais querer. Fadigada em apanhar. Fadigada quando jurei à mim não mais deixar, sinto-me deixada. Mas por quê deixada se fui eu quem deixei tudo pra trás? Achei que meus sentimentos tinham morrido, eu os matei! E por que permanecem a me incomodar? Eu os matei... Achei que a dor tinha morrido. Achei que eu tinha morrido. Eu quase. Quase, quase, quase. Cansei do quase. Quase fui, quase estive, quase estou. Quase consegui os matar... Por anos. Cansei dos meus olhos cansados que dizem brilhar mas que sinto marejar. Achei que havia matado também minhas lágrimas. Recuso-me a deixá-las cair, recuso-me a deixar que façam-na cair... E se na escuridão eu realmente conhecer meus criadores? Se assim for, estou no caminho certo, sei que já sou experiente ao escuro. E admiro-o. Portanto, admiro-me. Sei que poucos podem viver na escuridão e ainda que às vezes eu me sinta a vagar e pouco sinta o pulsar, és aqui meu lugar. Perdoe-me os sorrisos escandalosos, se não achas belo o cinza do meu sorriso, não mereces conhecer o escurecer das janelas dos meus olhos. Pássaros pretos batem na janela enquanto escrevo, ainda é verão mas hoje é um dia de inverno. As ondas balançam no calor da manhã - ainda não acordei - e congelam ao final da tarde, enquanto passeio. Posso sentir o ar quente, mas vejo-me nevar. Deixei ir a vulnerabilidade, sabia que havia a matado! Sou mala, sou viagem. Se deixares, carregará-me, não aconselho-te, mas quem sabe, viajarás-me?