Apenas um sonho?

Pouco nos víamos, mas todo domingo ele ligava para saber como estava o irmão, há tantos anos alheio a tudo.
Éramos amigos. Havia confiança, respeito, afinidade de comportamento e, principalmente, havia a certeza de que podíamos contar um com o outro sem que houvesse questionamentos. Tínhamos, mais ou menos, a mesma idade; e assim, brincávamos sobre os tristes efeitos da idade avançada. Ele dizia: “não gosto de velho” ... “E você é o que?” ...” Velho na fila do mercado é impertinente: fala, reclama, não enxerga direito, fica perguntando... Velho é mesmo chato” ... “Assim como você”. Então... riamos de nós mesmo.
As vezes as observações eram mais sarcásticas: “Estou esperando o trem das onze, qualquer dia ele chega. Enquanto não vem escuto Chico Buarque, que ainda está por aqui, já que Tom e Vinicius já pegaram o trem” .... “É.... a vida está uma “merda”, o dinheiro não sobra. Tem algum por ai?”
Não raro chegava pelo correio recortes de jornal ou revista com artigos que ele julgava ser do meu interesse. Nada que identificasse a procedência, além da letra, inconfundível, no subscrito do envelope.
Mais que cunhado ou irmãos, éramos amigos.

Ele parecia tão forte!... Mas o trem passou um pouco adiantado, ou será que estava na hora certa e nós é que perdemos a noção de tempo?
Ele se foi, mas sua imagem, sua voz, e o som do telefone, aos domingo, ainda estão presentes. Enquanto isso, continuo na plataforma a espera que o trem passe na hora certa.

Ontem sonhei com ele. Queria me dizer alguma coisa, mas eu não entendia. Despertei entre assustada e curiosa.
Gosto de sonhar, mas não acredito em sonho como premonição. Creio que o subconsciente se exponha através do sonho para aliviar ou esclarecer o que sentimos.

Fiquei a pensar: O que eu queria dizer a mim mesma?
Retorno ao sono. Novamente sonho com ele a falar, e novamente não entendo o que ele diz. Acordo. Desisto de dormir. Levanto. Já amanhece. Melhor tomar um café... Fico a relembrar o sonho. Sinto vontade de escrever. Sem pensar, papel e caneta na mão, começo a colocar no papel o que brota em minha mente. Ao final entendo o que ele queria me dizer: 

“Há um mundo paralelo. Diga a minha companheira que está tudo bem. Estou apenas surpreso com o que encontrei. Não sei como explicar, vejo vocês, mas vocês não me vêm. Sinto-me leve e solto. Não há sentimento nem sentidos; só leveza e harmonia."

Larguei a caneta e emocionada chorei...
Estava tudo bem. Porque questionar se era real ou não.

Continuo na plataforma...

Lisyt
Lisyt
Enviado por Lisyt em 03/02/2016
Reeditado em 16/03/2016
Código do texto: T5532394
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