Lembranças

O remédio começou a fazer efeito e deitado na cama, sozinho no quarto, olhava para as morcegas traças penduradas no teto.

Ouvia músicas celtas. Gostava delas porque ativava-lhe lembranças longínquas.

Via seu pai e sua mãe em pé, em frente ao portão de casa e tentava se aproximar dos dois, mas quanto mais queria mais se afastava. Sentia saudade dos dois e vinha-lhe algumas imagens aleatórias.

Chorou e sorriu. As memórias que escorregavam vagamente junto dos acordes de uma gaita irlandesa iam, sem muita disciplina, ao encontro das mais diversas imagens do passado.

Estava agora mais sonolento. Manter os olhos abertos já era difícil, então manteve-se consciente com os olhos fechados.

Havia movimento no quarto. Sabia que era sua esposa, pois andava com cuidado para não acordá-lo. Ela sabia que um cochilo à tarde era algo difícil para ele. Mas não dormia, apenas perdia-se em suas lembranças.

Quando ficou novamente sozinho no quarto abriu os olhos. A janela estava aberta, fazia calor e dava para ver o céu azul, sem nuvens, lá fora. Ouvia vozes de crianças e de algumas mulheres. Isso o fez lembrar de sua infância e de sua mãe.

Via a mão da sua mãe sobre a sua. As veias altas, anéis. Sentia o seu cheiro. Via o seu olhar terno. Ela falava alguma coisa e sorria, mas ele não ouvia, apenas via o sorriso dela.

Uma mosca que invadia o quarto o desviou e sua mãe sumiu. A mosca posou na tela da TV, mas não tinha vontade nem força para se levantar. Pensou na coisa ridícula da vida de uma mosca e lembrou de Kafka.

Sentia o cheiro de café que vinha da sala. Ouvia sua esposa e filha conversando. Sua filha falava do futuro e sua esposa a ouvia. Ele se mantinha no passado e uma vez ou outra alguma coisa o trazia ao presente.

Lembrou das contas que tinha que pagar. O calor diminuíra, mas ainda estava quente. Estava deitado sobre uma colcha e já sentia a sua umidade. Mesmo se sentindo incomodado com o suor, quis ficar ali, sozinho, relembrando.

Ouvia o som do motor de uma moto e lembrou quando atravessava uma avenida movimentada na garupa de uma Honda. Era uma imagem que sempre lhe vinha, seu primo em disparada pela avenida e ele desesperado na garupa. Lembrou que seu pai sempre dizia que uma moto era um caixão com rodas.

Cochilou, mas acordava sobressaltado. Virava-se e tentava relaxar novamente, mas a mente sempre fugia. Dessa forma a calma retornava. Sentiu algo percorrendo sua testa, pensou ser suor, mas tinha a temperatura mais branda. Úmida. Uma mão, talvez. Abriu os olhos e viu o rosto da mulher sorrindo-lhe. Acordou.

- Meu Deus!

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 07/01/2016
Reeditado em 07/01/2016
Código do texto: T5503602
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