ENCONTRO COM CHURRASCO NA LINHA
 
EU ACREDITEI NELA
Eu conheci ontem uma garota que me convenceu a ficar com ela. Isso é difícil de acontecer na minha vida.
Geralmente sou eu que tenho que me esforçar nas palavras e nas expressões faciais para conseguir ficar com as garotas. Mas ontem foi o contrário, foi ela que aproximou, me cantou, e disse que eu era o que ela precisava.
Pensei que se tratava de uma vampira dessas literaturas de horror. A moça estava de preto e soava um pouco estranho sua imagem.
Deixei o papo ir rolando e eu fui rolando-me para perto dela. Veio o primeiro beijo. O primeiro abraço e o primeiro olhos nos olhos.
Ficamos na mesa de um bar bebendo, beliscando umas fritas, e nos beliscando de vez em quando.
Chegou a hora de ir embora, três da manhã. Havia pouca gente na rua, caminhamos deliciosamente devagar pela noite. De vez em quando, uma paradinha para o pit-stop, que consistia de beijos, beijos, abraços, e uma mão boba.
Chegamos de frente ao portão da casa dela. Não me convidou para entrar. Não marcou um novo encontro. Apenas me beijou. Entrou sem dizer mais nada. Eu fiquei olhando até ela adentrar na casa.
Amanhã vou ficar com ela, ela disse isso. Não, ela não falou. Mas ela disse. Eu li nos olhos dela. Eu acredito nela.
 
 
 
CHURRASCO NA LINHA
O pessoal estava à beira de um ataque de nervos na cidade às beiras do rio Doce.
Não tinha água na cidade. O rio estava todo enlameado. Resolveram então fazer uma barricada na linha férrea. Pegaram alguns pneus velhos, tábuas em entulho e colocaram sobre a linha. Acendeu-se uma senhora fogueira. O tráfego de trens parou.
O povo foi se juntando. Apareceu um político de esquerda, pegou o megafone e começou a discursar. Outros também tiveram a coragem de acompanhar o político de esquerda. Aí apareceu o adversário dele, um político populista. Ficou lá no meio do povo, batendo de ombro em ombro.
 A esta altura já tinha surgido os ambulantes. Havia uns três com suas caixas enormes de isopor vendendo água, refrigerante e, sobretudo, cerveja. É sábado, e sábado alguns não abrem mão da geladinha.
Um desses caras com cara envernizada bateu no ombro do político populista e disse:
_Só falta uma carninha. Tem fogo, tem cerveja. O senhor não dá um jeito aí pra nós não? 
Era um cabo eleitoral. Como negar?
Daí a pouco apareceu a carne, e o churrasco foi feito sobre a linha. Até o político de esquerda, já rouco e sem repertório novo, resolveu tomar uma geladinha com churrasco. O protesto cresceu e a empresa que usa a linha vai ter que esperar.
Então apareceu o grupo de pagode Encontro Marcado e marcou presença. Virou festa.

DA SÉRIE: CRÔNICAS ANACRÔNICAS.
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 03/01/2016
Reeditado em 03/01/2016
Código do texto: T5498846
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