NATAL & VIRTUDES TEOLOGAIS

Levei meu filho mais novo, juntamente com minha esposa, para vermos os enfeites de natal na principal praça da cidade.
Confesso que ficou bonito. Os litros PET foram bem aproveitados, bom como o presépio no lado oeste e a árvore de natal no lado leste tendo com haste uma velha palmeira.
Chegamos à pracinha por volta das oito e meia da noite. Vazia. Apenas alguns casais passeando por ali com a mesma intenção que nós.
Uma pequena fila se formou em volta do presépio, umas cinco crianças contando com meu filho. Tiraram-se fotos com José e Maria e os três reis. Na manjedoura um boneco branco, pálido mesmo, representava o recém-nascido, o Menino Jesus.
Comecei a comentar com minha esposa sobre a mudança dos tempos. Início dos anos noventa, quando começamos a namorar, por uma hora dessas a pracinha estaria cheia, muito cheia. Agora os jovens deixam para sair de casa às dez da noite. E como não deixar? Privar um adolescente de divertir como nós vinte anos atrás? Determinar horário para voltar enquanto todos ainda estão em casa? Melhor educar com liberdade e responsabilidade. Confiar nos diálogos sinceros com os filhos. Confiar que nossos filhos são capazes de saber se safar dos embaraços da vida, assim como nós mesmos nos safamos muitas vezes.
Precisamos esperar, e esperamos indo a uma lanchonete lanchar. Usa-se fazer isso agora quando se sai com filhos. Um hambúrguer ou x-bacon. Uma refrigerante ou suco de laranja. Foi bom quando se vai, depois de dez anos de promessa, ao bar do nosso padrinho de casamento. Cumprimos uma promessa em 2015 ao menos.
O meu espanto foi quando voltamos para a pracinha. Já era então dez e quinze. Agora sim, jovens, muito jovens, muito mesmo, na quantidade e na idade. Algumas canecas de bebida alcoólica começavam a surgir aqui e ali.
Mais uma vez demos uma olhada nos enfeites de natal. Tiramos mais fotos. Então vi lá no cantinho da praça um casal passar despercebido entre as mesas do bar. Estavam vestidos de forma simples e grávidos. Então pensei comigo: E se esse casal fosse Maria e José e nessa noite, nessa cidade, Jesus fosse nascer novamente? Por quais motivos o Verbo de Deus voltaria a se encarnar?
Não, definitivamente, não eram José e Maria, em direção a alguma manjedoura para dar a luz ao Nosso Salvador.
Mas que pode ter sido um sinal, ah, isso sim.

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Por detrás do Hospital César Leite em Manhuaçu está localizada a Rua Alceste Nogueira da Gama, povoada por laboratórios, farmácias e clínicas assim como todas as ruas próximas ao hospital.
Estava eu, pais e esposa em uma dessas clínicas por motivo de força maior nessa última semana do ano.
Entre fazer o exame e pegar o resultado, deu tempo de voltar à pequena lanchonete ao lado da clínica. Cada um pensava que o outro estava com fome, era por volta das onze e meia.
Ao longe, no fundo da rua, vi um homem de roupa preta, bermuda e camisa, calçado com tênis, touca na cabeça e trazendo uma vasilha na mão em companhia de outro homem troncudo, batendo palmas de casa em casa, parece que estavam pedindo comida.
Fui lembrado de ligar para casa, tirei o celular do bolso e disquei. Senti o coração gelar e segurei meu celular com firmeza quando vi o homem de capuz vindo em direção à mesa em que eu estava sentado. Foi aí que percebi que se tratava de um senhor, e não de um jovem como o seu vestuário me induziu a pensar.
Nessa hora levantei e voltei para a clínica a fim de pegar o exame e quando voltamos, os dois homens já estavam na outra rua, pela qual passaríamos para ir até o estacionamento pegar o carro, pedindo
um pouco mais de arroz a duas velhas senhoras na sacada do segundo andar de uma casa razoavelmente chique.  Em certo momento passaram a pedir pelo amor de Deus, um pouco mais de arroz.
Parece-me que as duas senhoras não queriam ouvir os dois homens. Parece-me que torciam para que fossem incomodados pelo trânsito. E o interessante que, apesar da rua ser movimentada, ficou uns dez minutos sem que um carro viesse incomodá-los no meio do logradouro de mão única. Parece-me que Deus estava querendo oferecer a essas duas senhoras da sacada a oportunidade de exercer uma das três virtudes teologais, a caridade, já que os dois homens estavam exercendo as outras duas: fé e esperança.

(da série: crônicas anacrônicas)
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 28/12/2015
Reeditado em 28/12/2015
Código do texto: T5493675
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