Melancolia
crônica
Aparecida Linhares
(Serahnil)

“... Saudade palavra triste quando se perde um grande amor, na estrada longa da vida eu vou chorando a minha dor...”. (diz a letra da canção, hoje regravada por Fagner, mas, mamãe a cantava na versão original Cascatinha Inhana).
Hoje, sentada à cabeceira da mesa, com uma xícara de café fumegante e cheiroso, e o cesto de pão à frente. Retrocedo a 1970, ano da Seleção Brasileira e também meu ano.
Pondero que hoje, faltam quatro a minha volta, quatro pedaços de mim que completavam minha vida.
Estou só.
A algazarra, o falar; passe o leite, ou não quero pão...
O estou atrasado...
Tempo de inquietação, mais de muita esperança e confiança em um futuro melhor para todos nós.
Tudo ficou para trás, parece que foi ontem.
O chão fugiu e de repente eu já não o tinha sob meus pés.
Tenho um nó na garganta, o café já não desce...
Repleta de saudade relembro meu amor, sentado à mesa com seu jeito tranquilo de bom mineiro, sorrindo para mim...
Cúmplice de todas as horas eu sabia nele eu poder confiar.
Só não contávamos com o daqui há pouco...
A extinção da vida tão precoce quando tanto havia para ser feito.
Durou pouco, apenas doze anos que valeram como se uma eternidade fosse. Como um cometa ele passou por nossas vidas.
Deixou o brilho do seu caráter e sua honradez, nos encheu de amor, carinho e não teve tempo pra nos dizer adeus.
Ficou para mim, a necessidade de continuar por nossos três filhos.
Hoje, alguns anos depois, sinto a sensação do dever cumprido. Isso é bom! Teria sido mais fácil com ele aqui.
A saudade é imensa. Muito bons foram todos momentos.
Olho novamente ao meu redor, e sei que preciso me reconciliar.
As crianças cresceram um fato natural, foram em busca de seus ideais, criam hoje suas famílias... O que veio somar mais pedacinhos de nós.
Semanalmente nos reunimos e é uma festa!
Às vezes tenho a sensação que são as minhas crianças, na versão moderna do séc. 21. Brigam pelo videogame, um fala alto, outro quer que coloque o seu cd preferido, a outra quer ouvir o da Xuxa, o outro quer acessar a Internet. São os meus netos; filhos dos meus três tesouros, portanto meus tesourinhos.
Vendo toda aquela algazarra e bagunça que fazem, não tem como não rememorar quantas vezes o avô deles, tinha feito aquela baderna juntamente com os seus pais.
Mesmo assim, com toda a família estruturada e sempre por perto, queria que o tempo voltasse, e o ano de 1980 não fizesse parte do meu calendário de vida. E ele ainda estivesse aqui entre nós, tomando comigo o café fumegante e cheiroso que eu não consegui engolir.

Serahnil
março /2004
Aparecida Linhares (Serahnil)
Enviado por Aparecida Linhares (Serahnil) em 02/12/2015
Reeditado em 25/03/2016
Código do texto: T5467268
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.