SER ENGENHEIRO

Pessoal:

Fiz esse texto só para falar um pouco da minha profissão. Tem muita gente que só o título desestimulará a leitura. Mas como sou formado há um tempinho (43 anos), que dediquei inteiramente a fazer obras, acredito possuir o direito de mostrar um pouquinho o que é:

SER ENGENHEIRO

No início do meu quarto ano do Curso de Engenharia Civil na Universidade Federal do Paraná, em 1971, graças ao meu amigo Otávio Favoretto fui admitido pela Prefeitura de Curitiba como Inspetor de Obras, fixo nas obras de construção da Estação Rodoferroviária de Curitiba. Era responsável pelo acompanhamento dos trabalhos na obra e essa oportunidade caiu como uma luva em minhas necessidades de ganhar experiência. Valia mais que qualquer estágio. E, além disso, o salário era bom. Ansioso por aprender na prática o exercício da profissão, me considerei privilegiado em conseguir uma situação que atendia minhas necessidades. Só então comecei a sentir na pele que profissão tinha escolhido. Ser engenheiro é complicado: lidar com mil problemas ao, mesmo tempo, administrar imensas quantias de dinheiro que não são suas, gerenciar pessoas de todos os perfís e níveis, conviver com vaidades, guerras de egos, ignorância, arrogância, humildade, etc.. Tudo isso além dos problemas de engenharia propriamente ditos: análise de projetos, execução dos trabalhos, mão de obra, equipamentos a utilizar, especificação e compras de materiais, e muitos outros. São responsabilidades pesadas. Sobre tudo isso paira uma grande sombra chamada cronograma, que define os prazos de conclusão e a entrega final da obra, com inauguração e tudo mais. O cronograma é, para muitos profissionais da área, o grande carrasco do engenheiro. As datas das grandes obras públicas normalmente são marcadas por políticos que buscam através de sua realização aumentar seu público eleitor.

Um canteiro de uma grande obra é uma efervescência. Um mundo de problemas, batalhão de gente trabalhando, engenheiros, técnicos, mestres de obras, pedreiros, carpinteiros, etc. Não há rotina. A medida que a obra evolui, vamos nos deparando com problemas insolúveis que após alguns dias tornam-se meras lembranças de soluções facílimas. É costume dizer que executar obras “é uma cachaça”, tal o caráter viciante que se adquire ao exercer esse ofício. Nem todos são contaminados pelo espírito de se executar obras. É preciso estar atento, saber lidar com todo tipo de pessoas, entender do que está fazendo e, o mais difícil: fazer com que os trabalhos progridam no sentido de cumprir datas. Com qualidade e economia. Para isso, é fundamental o trabalho do engenheiro. Reza a tradição que as maiores dificuldades nas obras são três: alojamento, refeição e transporte do pessoal. Devido uma cultura paternalista, as empresas brasileiras fornecem esses itens ao colaborador e assume toda a problemática decorrente, o que gera e consome uma estrutura considerável para que as necessidades dos funcionários serem atendidas. É a interface entre assuntos profissionais e pessoais, definindo a fronteira entre o trabalho e a vida particular. Isto posto, a dura rotina de trabalho prossegue, convivendo-se com problemas, alegrias, realizações, êxitos e fracassos. O pessoal do planejamento controla o andamento, a fiscalização reclama de muitas coisas, a diretoria reclama do custo, e assim por diante. A profissão de engenheiro é um tanto diferente das outras. As coisas começam já no início do curso. Desde a aula inaugural, o aluno é tratado como se não soubesse nada e durante todo o curso isso é incutido na mente de todos: você é um réles aprendiz que, se fizer muito esforço, vai conseguir terminar o curso. Esse tratamento prossegue até o dia da formatura. Vejamos o que acontece com os outros grandes cursos. Nas faculdades de medicina os alunos se vestem de médicos desde os primeiros dias da aula e, começam sua prática desde o terceiro ou quarto ano com plantões. São tratados como profissionais muito antes de se formarem, e se sentem verdadeiros médicos a partir do 5° ano. Por sua vez os estudantes de Direito são chamados de “doutor” a partir do meio do curso e usam ternos, vão a audiências e, quando se formam, já se sentem advogados. Bem diferente dos estudantes de engenharia. Passamos o curso todo correndo atrás de provar aos mestres e a nós mesmos que temos capacidade de concluir o curso. Você nem imagina que será chefe de 30, 40 e, muitas vezes, 300, 400, 2000 funcionários. Nem todos chegam a chefiar grandes obras, mas as responsabilidades são semelhantes. E a cobrança também. Mas, cá entre nós, é muito gratificante você chegar em um local em que não há nada e, após um ou dois anos, inaugurar uma fábrica, um porto, um edifício. Graças a Deus, eu sei o que é essa sensação, de ter integrado uma equipe, de ter comandado um batalhão de gente e, concluir o trabalho. É muito bom. Engana-se quem fala que as obras são feitas por operários. Sem operários a obra não é executada, mas sem engenheiro ela não é nem pensada. Ou alguém acha que as pirâmides foram feitas pelos egípcios sem ter um cara com formação acima da média no comando de tudo? E, com certeza, não era o Faraó. Era engenheiro.

Paulo Miorim

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 10/11/2015
Código do texto: T5443818
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