RECORDANDO PEDRO E O LOBO

Nasci nos anos 50, século XX, quando o mundo passava por transformação radical de costumes, que iriam desembocar na hiperatividade globalizada de hoje. Embora só passasse a ter noção dos acontecimentos a partir do início dos anos sessenta, acompanhei muitos acontecimentos da segunda metade desse intenso período secular. Tivemos avanços e retrocessos (talvez mais estes que aqueles), mas não dá para negar as inovações, descobertas, alteração do panorama político planetário, grande impulso da medicina, astronomia, tecnologias de comunicação (tv, fone fixo, celular, rádio, internet) e fácil acesso ao universo ágil da informática.

Apesar das maravilhas e seu inegável aspecto tecno-versátil (em relação a cem ou mais anos atrás), dominando o cotidiano de uma parcela das nações, patinamos feio na isonomia social entre povos, derrapamos, desastradamente, no respeito aos direitos individuais e coletivos, e estamos ainda engatinhando, em nossa relação com o meio ambiente.

Sei o quanto enche o saco ouvir mensagens preservacionistas!

Tanto que preservacionistas ativos são tachados de ecochatos.

E o que dizer das profecias sobre catástrofes naturais?

Muitas não aconteceram, então pra que perder tempo com isso?

Que tal os alertas dos climatologistas?

Parece que nem os cientistas se entendem, né?

E a maioria segue, tentando ganhar a vida (o que não tá fácil), aproveita pra se divertir, quando possível, e deixa que governos, grandes da política e dinheiro façam alguma coisa pra evitar o pior. Dá pra acreditar que eles pretendem isso?

E a maioria pensa: - Nós, os pequenos, o povo, que podemos fazer?

Você já leu a história de Pedro e o lobo?

Dá pra resumir, contando que Pedro era pastor de ovelhas e lhe foi dada a instrução de que gritasse, ao avistar um lobo, assim os caçadores viriam ajudá-lo a dar cabo do animal, evitando que o mesmo pudesse atacar o rebanho ou o próprio Pedro. O menino quis testar a eficácia dessa ajuda e, sem motivo algum, gritou, dizendo: - É o lobo! É o lobo!

Correram em seu auxílio, mas ao chegar, perceberam o logro. Advertiram-no para não mais agir assim, porém, Pedro achou graça na situação e decidiu repeti-la, irritando as pessoas, que sempre o atendiam, pensando tratar-se de um pedido sério. Ao cabo de algum tempo, quando o lobo apareceu e Pedro gritou, todos riram, pensando ser nova brincadeira, e não o acudiram.

A estória serve de exemplo para a nossa realidade, sob muitos aspectos.

Cresci ouvindo e lendo sobre acontecimentos profetizados, cujas datas de ocorrência seriam nos anos finais da década de noventa do século vinte, mas apesar das expectativas, sinais e possibilidades, passamos por tudo incólumes (ou quase). Ainda há previsões para os próximos meses, anos, décadas, mas nos acostumamos tanto a elas que, cada vez mais, as ignoramos.

Alertas sobre o meio ambiente iniciaram nos anos oitenta, e envolveram militantes, cientistas, ambientalistas, simpatizantes e entidades de todo tipo. Hoje, além dos alertas quanto ao futuro, já temos cenas catastróficas e desregramentos naturais, que são um exemplo inicial do que está pintando por aí.

A gente vê os documentários, reportagens, manifestações, e se assusta, mas depois vai dormir e esquece. Nos dias seguintes joga papel na rua, gasta água à vontade, envenena o solo, as plantas, joga lixo em todo lugar, queima coisa velha, queima mato pra plantar (ou por a criação), além de fazer um monte mais de patetadas, só porque não está nem aí pra essa confusão toda.

- Você acha que eu vou fazer alguma diferença nessa bagunça enorme?

É assim que pensamos, e por conta dessa postura . . . , erramos feio.

Não há certa semelhança com a história de Pedro e o Lobo?

O papel de Pedro, interpretado por cientistas, profetas, ambientalistas, militantes, em favor de atitudes mais éticas, solidárias e fraternas, é um tantinho diferente, porque eles não estão emitindo falsos alarmes, mas como somos todos imediatistas, se não vemos as coisas acontecerem de pronto, achamos que nunca vão acontecer, que tudo é pura balela ou exagero.

Os Pedros reais tentam, por alertas e campanhas de conscientização, mudar o cenário feio e desigual, triste e violento, sofrido e miserável, corrupto e desrespeitoso, que impera na sociedade. E, mesmo com muitas ressalvas, pode-se afirmar que até alguns governos já se engajam nesse trabalho preventivo e saneador. Porém, a maioria da sociedade continua ignorando os apelos dos Pedros de plantão, fazendo ouvidos de mercador às campanhas, e ao invés de melhorias, temos o aumento da violência, do racismo, da xenofobia, da corrupção, do populismo político, da agressão à natureza, com a agravante de vermos crianças entregues a todo tipo de perversão, incultas e mal alimentadas.

Nosso pobre mundinho tenta se manter (sem nossa ajuda) e ainda nos dá água, plantas, vento, calor, luz, ar, apesar dos maus tratos.

Até quando receberemos tais dádivas?

- Ah, mas muitas profecias e previsões climatológicas não aconteceram!

Será que podemos crer que continuarão não acontecendo?

O clima está, visivelmente, mudando, e pra pior. Mesmo o mais cético dos mortais percebe problemas ambientais se intensificando. O que antes raramente acontecia, hoje é comum e mais intenso. Ano a ano vemos a situação complicar, mas não notamos que nesse passo, em pouco não suportaremos tanta aflição.

É o lobo! É o lobo! Ou melhor . . . é o homem! Somos nós!

Se transformássemos nossa realidade em fábula, ela seria tão inverossímil, que noutro tempo, noutra circunstância, entre outras gentes, passaria por obra de algum lunático e não seria levada a sério, nem como ficção.

Há uma canção do Chico Buarque, cuja letra diz que se num futuro distante, algum arqueólogo encontrar as ruínas desta civilização (ele cita um lugar, em particular, mas vale o exemplo), não compreenderá o significado de muitas coisas que nos são comuns e familiares. Pudera! Se nem nós as compreendemos!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 08/11/2015
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