Meu presente de Natal – 1948

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, 31 de outubro de 2015

Éramos já seis filhos, 9, 8, 7, 6, 5 e 1 anos de idade. Em 1958, a família ficou completa, com a chegada, intercalada, de mais um irmão e uma irmã.

Foi no ano de 1948 que tomei ciência da existência de Papai Noel. Até aquele Natal, segundo contam meus irmãos mais velhos, só recebíamos de presente, roupas, nada de brinquedos. Sempre nessa data nossa mãe vestia roupa nova em todos os filhos, para irmos passar o dia na casa de nossos avós paternos. Ela tinha especial cuidado com os mais pequenos e, orgulhosos e comportados, íamos todos almoçar, geralmente peru, na casa de nossa avó Marieta. Nossa presença era muito aguardada, pois morávamos distante deles e poucas vezes nosso pai conseguia deslocar toda a família até eles.

Era uma festa, os irmãos e irmãs de meu pai já nos aguardavam, com eles os nossos primos. Todos eles moravam no mesmo bairro, só nós residíamos longe. Nosso avô, depois do almoço, sempre nos presenteava com moedas, com as quais íamos correndo comprar doces e bombons na mercearia da esquina. Era menino que dava no meio da canela; seis de nossa família, três de uma tia, mais quatro de outra, a tia Neném chegava com mais dois, o tio George com três, a minha avó Marieta criava um neto, cuja mãe tinha mais cinco filhos. Ufa! Eram muitas crianças, mesmo. A casa era grande, tinha um alpendre mediano, onde meu avô nos esperava sentado em sua velha cadeira de balanço, um quintal bastante grande, onde cresciam mangueiras, goiabeiras e outras plantas frutíferas. Nesse ambiente as crianças brincavam divididas, pela idade e os maiores, pela empatia. A confusão só se dava mesmo na hora do almoço, na hora de fazer os pratos de cada criança, alguns desejando o mesmo pedaço do coitado peru. Ele só tinha duas coxas, mas eram disputadas por cinco crianças. Algumas saiam chorando, principalmente as que as mães não conseguiam enganar, oferecendo outro pedaço da ave, como se fosse coxa.

No final, tudo era alegria e voltávamos para casa satisfeitos e felizes por ter passado o dia na casa de nossos avós. Esqueci de avisar, o peru sempre vinha acompanhado por outros pratos deliciosas, que levavam a assinatura de nossa tia Maria Adélia, professora e cozinheira de mão-cheia. Ela era responsável também pela sobremesa: pudins, doces de caju, goiaba e bolos, todos deliciosos.

O Natal de 1948 foi especial para mim. Além de ter participado do almoço em casa de meus avós e ter encontrado muitos primos, até aqueles que ainda não conhecia, na manhã do dia 25, ao acordar, encontrei uma caixa retangular, de mais de 50 cm, embrulhada em papel colorido com motivos natalinos, que atribui ter vindo da parte de Papai Noel. Lembro-me que chorei, fiquei nervoso e receoso em abrir. Sabia que era para mim, pois todos os outros irmãos já estavam acordados e segurando, cada um, os seus presentes. Sorriso nos lábios, eles estavam na expectativa que eu acordasse, para mostrar o que ganhara. Eu os olhava assustado, todos alegres a exibirem os seus presentes. Eles não falavam nada, mas eu os ouvia, em coro, gritar: abre, abre, abre...!

Ainda sonolento, não conseguia desvencilhar-me do papel que empacotava o meu presente. Meu irmão mais velho perguntou se poderia me ajudar. Balancei a cabeça, consentindo. Ele tomou a caixa de minhas mãos e rasgou o papel com sofreguidão, devolvendo-me em seguida; o mano me dava o prazer de abri-la, o que fiz de imediato. De dentro dessa caixa retirei um belo e moderno ônibus, fabricado em latão e pintado de um amarelo vivo e com algumas letras indicando tratar-se de ônibus para viajar longos percursos. Os ônibus verdadeiros que circulavam pela cidade não se pareciam nada com aquele que eu acabara de receber. Era único, eu não me cabia de contente.

Nossos pais acordaram e vieram se juntar a nós. Eles nos desejaram Feliz Natal e perguntaram se estávamos todos satisfeitos, que em confirmação uníssona respondemos, sim! Estávamos todos realmente muito felizes. Minha descrença no Natal e no Papai Noel desapareceu.

A alegria continuou na calçada de nossa casa. Todas as crianças da vizinhança estavam a mostrar seus presentes, nos juntamos a eles. Para mim, foi o Natal que marcou verdadeiramente o meu tempo de criança. Por muito tempo essa alegria fez parte de minhas noites de Natal, até a confirmação de que a data representava o nascimento de Jesus. Os presentes oferecidos aos filhos simbolizam as oferendas dos Reis Magos Belchior, Baltazar e Gaspar ao menino que acabara de nascer, como sinal da ternura de Deus e da sua presença no mundo.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 04/11/2015
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