TATIBITATE

Estamos em plena época do políticamente correto, que em muitas ocasiões poderia ser descrito como bestamente improdutivo. Não vou negar que muitas expressões podem e devem ser suavizadas, para harmonizar as interações sociais, mas há que ter discernimento para ver onde e quando intervir, no palavreado usual, e evitar exageros inúteis.

Posso concordar, por exemplo, que evitarmos o usual “lixeiro” e o trocarmos pelo “coletor de lixo” é muito conveniente, mas por que usar o comprido termo “deficiente visual” ao invés de “cego”, quando este último termo não é ofensivo ou constrangedor? Os próprios cegos só usam o mais comprido, quando estão em cena, mas já os vi conversando, uns com os outros, e só se referem a si mesmos e aqueles em derredor, nas mesmas condições, como cegos. O comediante Geraldo Magela é exemplar em minimizar exageros e rir deles.

Se grandes compositores do passado tivessem de registrar seus clássicos musicais, hoje em dia, teriam problemas. Não teríamos mais a “nega do cabelo duro”, a marchinha do gago, “o teu cabelo não nega, mulata”, “olha a cabeleira do Zezé” ou “nós os carecas”. Pode-se argumentar que o funk e o sertanejo, atualmente, usam e abusam de expressões obscenas, mas é isso é somente banalizar o baixo calão, sem tornar uma situação ou atitude cômicas, de modo a contagiar, positivamente, os ouvintes, inclusive em ambiente familiar.

Chamar um negro de afrodescendente ou um baixinho de verticalmente prejudicado, é tão inócuo quanto chamarmos um branco de dâniodescendente, um pardo de afro-dânio miscigenado mais milhares de outras opções além, por termos milhares de origens, com a maior parte oriunda de misturas étnicas, bastante intrincadas. Com pouquíssimas exceções, neste mundão de sete para oito bilhões de almas, somos, quase todos, vira-latas genuínos, com vontade de inventar um pedigree qualquer ou exigir atenção especial. Ninguém é especial.

Veja bem! Não queremos viver de modo especial, não queremos adotar atitudes, gestos e iniciativas especiais, só queremos um tratamento especial, sem precisar dar nada em troca, e a sociedade, através de pseudointelectuais, que cuidam das formiguinhas e deixam passar um elefante, satisfazem os egos, sem fazer valer a meritocracia, ou seja, não exige deveres cumpridos e dedicação ao senso comum, antes de premiar ou estabelecer direitos pernósticos.

Todos merecem respeito, todos merecem ser tratados com plena equivalência, todos devem ter acesso aos direitos constitucionais, sem distinção, mas como nenhum governo e seus geniais assessores se preocupam, efetivamente, em por isso em prática, preferem usar a demagogia e gritar slogans, criar adjetivos pomposos e prestar homenagens, que em nada resolvem a situação caótica da sociedade, mas distrai, tira o foco e engana mais um pouco.

Nesse destrambelhamento todo, alguns se dão bem, agindo errado e fazendo barulho, enquanto a maioria silenciosa se aperta nos coletivos, pedala no pagamento de contas, investe nos produtos piratas, porque não tem cacau pra comprar os legítimos, mas mantém o aspecto ou semblante sério, pra impor respeito e não deixar a peteca cair. São estes os únicos que fazem a diferença e mantém o país nos trilhos, mesmo que capengando; vêem as estripulias dos políticos, empresários e outras “otoridades”, não entendem quase nada, mas sabem que vão acabar pagando o pato pelo que acontece nos gabinetes e escritórios. Vivem de viver trabalhando, comendo mal e torcendo pra não adoecer, porque não há assistência.

Essa gente sofrida não tem tanto interesse pelo politicamente correto, a não ser quando for politicamente correto tratar bem o povo, sem pensar em carreira, partido, estratégia, eleição ou protecionismo. Já se acostumaram tanto ao abandono, que nem acreditam mais em solução verdadeira, e se contentam em conseguir alguns trocados, uma dentadura ou cesta básica.

De um lado o povo, implorando por melhorias básicas e necessitado de tudo.

De outro lado, acadêmicos e militantes, citando teóricos e princípios doutrinários, de um extremo a outro do ideário político-social, com o nariz empinado e o orgulho típico de quem se sente intelectualmente preparado para orientar as massas, mas nunca se submeter ou servir.

Eu, na minha pequenez hermenêutica, observo, olho, presto atenção, olho de novo e, se possível, evito dizer o que penso, porque quando não há nada de bom a dizer, é melhor calar.

Hermenegildo, o popular Nenê da barroca, quando indagado sobre assunto político ou religioso, temendo se dar mal, gaguejava até fazer desistir os ouvintes. Irritados, o xingavam de gago, gogó grosso, tatibitate, e quando já estavam distantes, ele gritava, a plenos pulmões:

- Tartamudo, ignorantes! E desse jeito ele sempre conseguia sair pela tangente e ileso.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 03/11/2015
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