O jovem casal sai fervendo da loja de eletrônicos. Ela dá de braços, abrindo para o mundo o tamanho da sua irritação. Ele brada para quem quiser escutar:

— Não vai dar não, Pri! Mil real num celular?

—Vontade de te matar, Igor! Vai ser mão de vaca assim lá nas cucuias!

— Cê tá é com a cabeça ruim, Priscila! Mil real são mil real, fia!

Juntos ao carro estacionado em frente ao cartório, eles  esperam por mais alguém. Enquanto desabafam seus desacertos de ordem pessoal e financeira, da loja sai uma senhora baixinha arrastando uma saia longa e estampada, que vem se juntar a eles. Pela semelhança, vê-se, é a mãe da moça. Pega pela discussão dos dois, a mulher olha para os lados como a checar quem mais está vendo o barraco da filha e do suposto genro muquirana. Abana a cabeça e dispara:

— Parem com isso! Os dois! Cês não têm vergonha de brigar no meio da rua, não?

O genro a trucida com os olhos:

— Culpa da sua filha, que achou que casou com rico! Mil real num celular?

A mulher aponta o indicador na direção do rapaz:

— Epa! Epa! Calma aí, moleque! Mais respeito com minha filha!

— Quer saber? — ele bufa — a culpa também é sua!

— Ah, sobrou pra mim — explodiu a baixinha, vermelha até a raiz do cabelo — eu sabia!

— Sobrou, sim! Quem mandou criar essa aí cheia de vontades?

— Ei! Baixa a crista, já falei! — a sogra cospe — quando cê conheceu a Priscila eu te avisei que ela era nosso xodó!

O teor da discussão e o palavreado chama a atenção dos transeuntes. Alguns curiosos vão se aproximando. Um velhinho de bengala resolve intervir:

— Eita, moçadinha! Esses aí não têm um pingo de educação. Onde já se viu afrontar uma senhora assim? Ah, se fosse no meu tempo!

O rapaz logo devolve, num olhar ameaçador:

— Ih, cala a boca aí, vovô! Quem te pediu opinião?

Um burburinho de indignação percorre os circunstantes.  Uma jovem com cara de defensora das causas sociais não se contém:

— Ei, rapaz, peraí! Cê não conhece o Estatuto do Idoso, não?  Desrespeitar velhinhos dá cadeia, sabia disso?

O rapaz pisoteia o chão, ensaia alguns passos pra frente, dando a entender que vai partir pra cima da moça dos direitos da terceira idade. Instantaneamente ela arranca a bengala da mão do velhinho e a usa para se impor, bradando furiosa:

— Vem, galinho de briga! Cê acha que eu tenho medo de homem? Vem!

Do meio da assistência, alguns celulares fazem discretas ligações: não demora, uma sirene apita na rua e uma viatura estaciona, cantando pneus. Dois policiais saem do carro. O mais velho encara o genro nervoso, agora moralmente amparado — de um lado por Priscila, do outro pela sogra.

— Quê que tá acontecendo aqui? — indaga o PM, com voz roufenha.

A aglomeração vai se dispersando. Os perturbadores da ordem pública, acompanhados agora de longe por uns gatos pingados que esperam pelo desfecho da questão formam uma pequena corrente unificada — e fortemente solidificada — pelos laços de parentesco. Um breve silêncio se faz, até que a sogra se pronuncia:

— Nada, não, soldado... É  coisa de famia, já cabô...

Os PMs trocam entre si um olhar codificado e liberam o trio pra  seguir viagem. Mãe, filha e marido entram no carro... O genro pisa fundo e acelera. À guisa de despedida, a sogra baixa o vidro, fuzila a moça dos direitos humanos com um olhar que beira a ódio, e projetando para fora o braço direito endereça-lhe uma bela e robusta banana, acompanhada de um mineiro e sonoro:

— Quiprocê, ó!!