ELAS ESTÃO CHEGANDO LÁ

Dois casais em torno da mesa de granito, coberta com toalha verde felpuda.

Para os aficionados nem é preciso explicar do que se trata, mas considerando que a maioria dos leitores ainda não possui o vício da jogatina, devo esclarecer que a cena envolve uma disputa de tranca, que é um jogo de cartas (baralho), bastante disseminado entre casais de meia idade e idosos de idade tenra (pós adolescentes).

Homens contra mulheres ou tipos contra tipas.

Na noite anterior as tipas levaram a melhor, vencendo seguidas vezes, sob reclamações e lamúrias constantes de seus parceiros, cuja dificuldade em aceitar a derrota beira o colapso nervoso, mas agora eram os tipos que iam levando todas. Suas mulheres, porém, mantendo silêncio, a compostura, sem emitir um chiado sequer de contrariedade. E eles vencem!

Se um curioso qualquer resolvesse peruar (gíria de jogadores para o sujeito chato que se posta atrás de alguém e fica fuçando as cartas) as mãos das meninas, ficaria espantado em ver que ambas tinham cartas excelentes, e poderiam ter arrebatado a partida, sem dar chance aos seus agitados maridinhos. Porém, resolveram lhes dar a oportunidade de provar o gostinho da vitória e vê-los festejando, alegres, ao invés de agüentar-lhes as lamentações e desculpas.

A pergunta que cabe é: - Quem, efetivamente, venceu, neste caso?

A resposta mais óbvia é: as mulheres.

A resposta mais abrangente é: as mulheres, sempre.

A mulher não precisa ser mais virtuosa, inteligente, esperta, culta, em relação à média masculina, para se destacar. Alguns espertinhos diriam que ela só precisa ser gostosona, mas embora isso possa encerrar uma patética verdade, em nossa sociedade tão machista (ainda), o fato mais desesperador para os antifeministas é que as moçoilas (balzaquianas e lobas também) estão ganhando terreno, progressivamente, em todas as áreas de atividade humana.

Elas são mais agressivas, fortes, impetuosas?

O bambu verga ao receber o vento forte, mas se preserva, enquanto árvores grandes e fortes se quebram ou são arrancadas pela raiz, por falta de flexibilidade.

Do mesmo modo agem elas, que já apanharam tanto, foram execradas, silenciadas, só podiam viver em função de seu pai, marido, tutor ou algum responsável legal, sem direito a uma manifestação autêntica, uma opinião, sem liberdade de ação e expressão, e totalmente desconsideradas, ao tentarem qualquer iniciativa independente.

A beleza, delicadeza e suavidade, que caracterizam a maioria das fêmeas humanas, faz com que pareçam frágeis (por isso foi cunhado o termo: sexo frágil), mas isso não só é muito enganoso, como incoerente. Justamente, por serem tão mais bem acabadas que os homens é que se tornaram mais fortes, resistentes, estratégicas e influentes. Não foi à toa que, ao longo da história e até os dias atuais, os marmanjos sempre tentaram subjugar, dominar, escravizar as mulheres. Eles foram percebendo, pelo que observavam nas atitudes delas, o perigo que corriam, se as deixassem livres e poderosas, então trataram de usar a única arma de que dispunham: a força bruta, para tentar segurar a onda e evitar a supremacia feminina.

Elas foram subjugadas, mas como o bambu se vergaram, e apesar de tanta infâmia, não se deixaram abater totalmente, levantando um pouco a cabeça aqui, outro tanto ali, deixando seus amos e senhores pensarem que eram os tais, enquanto puxavam seus tapetes, influindo na organização da casa, na educação dos filhos, nas relações com vizinhos e comerciantes, na autoestima do companheiro e, por fim, nos próprios acontecimentos sociais, por tabela. Daí pra frente, foi um pulo, até que conquistassem todos os seus direitos (ou quase) em equiparação aos barbados. O próximo passo será ultrapassá-los e mostrar quem, realmente, manda bem.

A sorte dos bigodes, é que a civilização, com todos os problemas que ainda apresenta, não dá mais tanta margem ao escravagismo, tortura ou cárcere privado, portanto, o sofrimento deles deve ser mais brando, mas é bom se aprimorarem em aprender a cozinhar, lavar roupa, limpar a casa, cuidar das crias, só para garantir um certo sossego. De quebra, é aconselhável entender que na base da porrada e do grito, o macho ganha a batalha, mas perde a guerra.

Elas são sutis, pacientes, dissimuladas, mas nunca perdem o foco.

As tipas chegam arrumadas, sorridentes, perfumadas, conversando sobre amenidades, e, durante o jogo, parecem até distraídas, mas se perdem uma rodada, ganham as duas seguintes, e deixam que eles se gabem, enquanto trocam olhares e sorrisos, bem faceiras

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 09/10/2015
Código do texto: T5409622
Classificação de conteúdo: seguro