HÁ UM OCO EM MIM

Há um oco em mim. Não, não é o oco da fome, tampouco o espaço do útero, que já não tenho. É algo que me infelicita grandemente. As coisas fortes sempre mexem com minha alma e me deixam com um vazio enorme. Muitas coisas me entristecem, quando abro a janela para o mundo.

Faço essa divagação e volto à linguagem das almas, onde as palavras são precariamente suprimidas. As imagens e os fatos que vejo pela tal janela assustam-me. Eu quero conexões e não pormenores. Se elas, as conexões, acontecessem de maneira eficaz e eficiente, poderíamos encaminhar-nos conscientemente às minúcias e não perderíamos a noção do conjunto. Aquilo que não está junto conosco é altamente incompreensível e não nos facilita reconhecermos o caminho que devemos trilhar.

Leio e ouço “profetas” que irrompem para advertir e assegurar, porém percebo que retrocedemos a toda e qualquer sabedoria. A humanidade, que pela erudição tenta guiar-se, permanece presa a partículas, ao passo que o homem traz em si (como dádiva) o todo que o capacita verdadeiramente, sem ensinamentos complicados, para chegar ao que há de mais nobre e excelso.

Há uma escura nuvem de borrasca que torna densa a atmosfera. Sob essa pressão asfixiante trabalha a intuição de cada um. Nervos demasiadamente tensos atuam sobre a sensibilidade. Isto faz com que deixemos de ser “normais” a esse respeito. Coloco “normais” entre aspas, porque a questão da normalidade já passa a ser objeto de questionamentos.

Os erros de uma falsa educação levam à perdição da humanidade inteira, alicerçada por princípios corroídos. Assim, surgem a posição ilusória de si mesmo e a venda nos olhos que insistem em não enxergar a diferença entre o bem e o mal.

Meu olhar enche-se de imagens absurdas, minha mente recebe informações de fatos inescrupulosos. A beleza do mundo parece já não existir, embora eu a busque, tentando descobrir o “lado cheio do copo”. Daí surge em mim o oco referido. Estará o copo vazio? Não há como devolver a ele aquela metade que nos dá ânimo?

Observo furiosos embates, mas sempre isolados, como são no mar os recifes. As pessoas procuram orientar-se mutuamente; os filhos querem ensinar os pais. E, como fosse uma inundação, isso se distende sobre todos os homens. Todavia, são movimentos infrutíferos.

Escancaram-se assassinatos, ofensas gratuitas, rejeições a seres humanos, negações de acolhimentos a quem estende as mãos suplicantes, proliferam-se assaltos autorizados por cúmplices e asseclas.

Há mesmo um oco em mim. Falta-me o útero da esperança e já não posso gerar a crença em mundo melhor. Há um oco, sim, um vazio provocado por desmandos e banalizações do mal. Há o vazio da união de almas benevolentes e honestas.

Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 02/10/2015
Reeditado em 02/10/2015
Código do texto: T5401840
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