AS FANTÁSTICAS VIAGENS III

AS FANTÁSTICAS VIAGENS III

Continuando as aventuras das viagens, abro aqui um parêntese, para falar sobre as mais fantásticas de todas. Há quem só consiga ver beleza a bordo de um navio, ou de um avião, mas eu nem precisei embarcar num Transatlântico para sentir os enjôos do mar, muito menos voar a bordo de um Boeing 737, embora já o tenha experimentado (a serviço), para sentir aquele frio na barriga, no pouso ou decolagem. O melhor meio de viajar nas asas do tempo e da imaginação é um bom livro e somente uma Máquina do Tempo poderia nos conduzir mais rápido que ele, a tantos lugares e tão diferentes épocas.

Os primeiros anos da minha vida sem a presença física de minha mãe marcaram uma fase de introspecção que me levou a entrar de cabeça no mundo da leitura, elegendo o livro como meu melhor amigo, aquele que me levava a lugares longínquos e que me fazia mergulhar no oceano dos meus sentimentos, do meu ego e dos meus sonhos.

Conheci, nessa época, Exupéry e me apaixonei pelo “Pequeno Príncipe” e acreditem, aos quase 12 anos, eu consegui ver o elefante na barriga da jibóia. Apresentaram-me Hermann Hesse e me encantei com Sidartha. De Fernão Capelo Gaivota, Richard Bach me levou a Ilusões – As Aventuras de um Messias Indeciso e me ensinou como afastar uma nuvem da minha vida. Eu estava cada vez mais fascinada com aquele novo universo de profunda reflexão.

Continuei seguindo a trilha, sedenta em busca do autoconhecimento e nesse caminho solitário encontrei Gibran Khalil, Freud, Sartre e outros que não me deixavam parar. Eu havia descoberto um tesouro bem ali, numa estante, ao lado da minha cama. Dá para imaginar a riqueza?

Grandes escritores estavam sempre à minha espera na biblioteca do Colégio São Francisco. Como era maravilhosa! Acredito que não ficou um só título, sem que eu tivesse lido. Obrigada a todos os escritores brasileiros pela companhia, pelas lições e pelas viagens.

A necessidade de estar com os livros era tanta, que vez por outra escapava da aula e me refugiava lá, num cantinho bem escondido e me perdia na leitura até que era encontrada pela bondosa Irmã Nalita, que sempre me convencia a retornar à sala de aula.

Devo ter herdado também de meu pai o gosto pelos livros. Até perto de partir, podíamos encontrá-lo, sentadinho, às voltas com um livro. Na verdade, a minha grande incentivadora e companheira das viagens literárias foi a minha tia, a Tia Nitinha, com quem eu morava desde que mamãe retornou à Pátria Espiritual. Eu pegava emprestados os livros do colégio e em casa nos revezávamos na leitura. Costumávamos também analisar e comentar as obras, o que foi de grande valia para mim no desenvolvimento da redação e interpretação de textos e me rendia alguns pontinhos extra, ao final de cada passeio que fazíamos com o Colégio para conhecer cidades históricas como Cachoeira e São Félix, que abrigam uma boa parte da nossa história. A minha missão era observar atentamente cada detalhe histórico e geográfico do lugar e apresentar um relatório ao retornarmos.

Quando pequena, na escola e para quem mais quisesse ouvir, declamava Bilac e Casimiro de Abreu. Como esquecer?

Ave Maria

“Meu filho! termina o dia...

A primeira estrela brilha...

Procura a tua cartilha,

E reza a Ave Maria!

Olavo Bilac

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Meus Oito Anos

“Oh! que saudades que tenho,

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais!”

Casimiro de Abreu

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Já adolescente, no colégio, nas famosas aulas de socialização, eu me desdobrava em “angústia” para interpretar Castro Alves em Vozes d’África...

“Deus, ó Deus, onde estás que não respondes?

Em que mundo, em qu’estrela Tu T’escondes,

embuçado nos céus?

ou me imbuía de “revolta”, para gritar:

“Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus,

Se eu deliro... ou se é verdade,

Tanto horror perante os céus?!”...

Embora nunca tenha conseguido memorizar todo o poema, O Navio Negreiro tinha o poder de fazer explodir a minha indignação diante do horror da escravidão.

Também vestia-me de “tristeza e renúncia” para sussurrar a Ausência de Vinícius de Morais:

“Eu deixarei que morra em mim, o desejo de amar os teus olhos que são doces...”

Ou para concordar com ele... ”que o amor não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.”

O acaso me fez encontrar uma Antologia Poética de Vinícius, por quem me apaixonei e sob sua forte influência enveredei pelo suave caminho da poesia mais livre, mais espontânea e a partir daí conheci poemas maravilhosos de Cecília Meirelles, Drummond, Quintana, Bandeira e muitos outros mestres consagrados. Mais tarde, surgiu a minha segunda paixão, Fernando Pessoa e com ele alguns escritores estrangeiros como Neruda, Shakespeare e Florbela Espanca.

Fiz grandes Viagens!

Visitei Macondo durante os Cem Anos de Solidão. Estive ao lado de Jennifer Parker nos tribunais enfrentando A Ira dos Anjos. No Egito, vibrei com Ramsés em suas batalhas e conquistas. Estava na corte de Júlio César quando Cleópatra envolveu-se em um tapete para dele aproximar-se. Disputei com Poirot cada nova pista para a elucidação do Assassinato no Expresso Oriente. Durante a Segunda Guerra Mundial presenciei a dedicação que fez nascer o amor intenso e desesperado de Hana por Almasy, seu Paciente Inglês. Tentei desvendar os manuscritos da Profecia Celestina. Com A Bruxa de Portobelo subi ao Monte Cinco e Na Margem do Rio Pietra eu Sentei e Chorei. Muitas vezes estive ao lado de Viviane, quando estendia os braços e afastava As Brumas de Avalon para atravessarmos o lago e chegarmos à floresta da deusa. Estas foram algumas das encantadoras viagens que já fiz, que não me permitiam intervalos de leitura superiores ao tempo do consumo de um café. Em uma das mãos um livro e a outra mexendo a panela no fogo era coisa normal e corriqueira.

No decorrer dos anos, dediquei-me também a conhecer a Literatura Espírita, grandes obras psicografadas por Chico Xavier, Divaldo Franco, Zíbia Gaspareto e muitos outros, além das Obras da Codificação.

A minha maior incentivadora, minha guru, fez sua grande viagem já velhinha, mas com a lucidez típica de quem nunca dispensou uma boa leitura.

Hoje a minha paixão persiste e embora ainda conserve o hábito de ler duas obras simultaneamente, não consigo manter a assiduidade da leitura, mas deixo aqui o meu apelo, principalmente às crianças e aos jovens: encontrem bons livros e façam deles seus grandes amigos, pois as viagens que eles lhes oferecem são seguras e têm retorno garantido.

Fátima Almeida

20/06/13

Notas:

Cachoeira e São Félix – Importantes cidades históricas do Recôncavo baiano, ligadas por uma ponte Rodoferroviária, construída pelos ingleses, por recomendação de D. Pedro II, sobre o Rio Paraguaçu, que tiveram relevante desempenho nas guerras pela nossa Independência.

Cem Anos de Solidão – Gabriel Garcia Marquez

A Ira dos Anjos – Sidney Sheldon

A Saga de Ramsés – Christian Jacq

Cleópatra – Margareth George

Assassinato no Expresso Oriente – Agatha Christie

O Paciente Inglês – Michael Ondaatje

A Profecia Celestina – James Redfield

A Bruxa de Portobelo, O Monte Cinco e Na Margem do Rio Pietra Eu Sentei e Chorei - Paulo Coelho

As Brumas de Avalon – Marion Zimmer Bradley

Fátima Almeida
Enviado por Fátima Almeida em 05/09/2015
Código do texto: T5372150
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