Galochas Amarelas
 
Pensei em dar umas galochas de presente pra uma menininha que gosto muito. Achei o que procuro no Mercado Livre. E numa variedade muito maior que imaginei. Vi umas de florzinhas que são um charme! Mas as amarelas que a garotinha tanto quer também estão ali, então assunto resolvido.

 Depois de ver as fotos das botinhas, só não fiz logo o pedido por causa da numeração. Não sei a quanto anda o pezinho da menininha do meu coração. Preciso ver com a mamãe dela, pois pela internet não dá pra ficar trocando número como se troca em lojas comuns.

Muito bem, o que eu não contava é que as galochinhas amarelas, depois daquele dia, passariam a me perseguir. Pois, não é? Agora, toda página que abro na internet olha as bonitinhas saltitando pra todo canto. Até no Recanto das Letras agora elas estão me espionando. Sem brincadeira, como será que descobriram que escrevo no Recanto?

Não bastasse o susto com as fofas botinhas sempre pulando na minha frente “eles”, (aqueles que a gente nem imagina quem são) também sabem que desejo comprá-las. Tanto que mandaram pro meu e-mail um comunicado dizendo: “Vimos que você está de olho neste produto e que quase o comprou. Ainda dá tempo”. Confesso, que mal-estar! Fiquei com uma sensação desagradável de que não dá pra fazer mais nada sem que todos fiquem sabendo.
 
Assustador, o mundo da internet. Dias destes descobri que um poema meu está num site de um País estrangeiro, sendo objeto de estudo do pensamento da poetisa mineira, Marina Alves. Eu nem suspeitava disso, ninguém me perguntou, ninguém me consultou para estudar o pensamento dos brasileiros através de alguns pensamentos meus. E até traduziram meus versinhos para melhor estudá-los. Quem diria, hein? Foi bem esquisito ver meu poema traduzido  noutro idioma ao lado do original em Português, sem eu nem saber.
 
A ideia de estarmos expostos é no mínimo desconfortável. A sensação é de que nunca mais conseguiremos nos livrar: pra onde quer que nos viremos lá estarão as lentes  públicas pousadas sobre nós. E caiu na rede, não resta dúvida, prolifera, vira praga, vigora mais que tiririca em terra boa (na ruim ela já tira a gente do sério, imagina na boa!)
 
Sem dúvida, caminhamos para um tempo de segredos inguardáveis. Tá mais difícil a gente se esconder, tá quase impossível passar em branco ou preservar o que andamos fazendo. A qualquer clic que nos pegue desavisados, em frações de segundos olha tudo navegando por aí, para quem quiser ver, apreciar, criticar, julgar, analisar e coisa e tal...
 
Pois é, agora estou com meu segredo revelado: desejo comprar umas galochinhas amarelas pra certa menininha, e já tem gente sabendo disso. Depois do email que “eles” me mandaram tenho dúvida se conseguirei fazer a surpresa. Vai que eles descobrem quem é a menininha e vão correndo contar tudo pra ela. Improvável? Não acho, não. Afinal tudo é possível em tempos de internet fofoqueira...