OS DOZE FILHOS DE MARIA (EC)

Não sei nem quando, nem onde Maria nasceu.

Acho que foi na Itália, na última década do século XIX.

Lembro-me vagamente dela, viúva e doente, sentada em sua cama.

Não me falhe a memória, deu-me um doce.

Maria, se me contaram direito, morava num casebre à beira de um riacho na pequena cidade do interior. O riacho, onde acreditei ter pescado meu primeiro peixe, secou, a região tornou-se uma grande favela e o casebre não mais existe. Ninguém se lembra de Maria naquele lugar.

Lá pariu seus primeiros cinco filhos.

Os varões vingaram todos.

Não enterrou nenhum.

Lembro-me de todos velando Maria na mesa da sala da casa onde ela, o marido e os filhos vieram morar na capital.

Aqui como lá, nos anos pares do início do século XX – de 1910 a 1932, recebeu a visita da cegonha.

Algo me diz que devem ter imaginado que a mudança de ares influenciava o sexo dos bebês, pois vieram cinco filhas.

Das cinco, duas partiram cedo.

Sequer viram os dois últimos rebentos.

Destes, um se foi na adolescência.

O outro é o único que, na data desta narrativa, resta vivo.

Aliás, somente ele e a irmã mais velha puderam comprovar que o mundo não acabaria no ano 2000.

O primeiro filho de Maria - o mais gordo - não sei do que morreu.

O segundo, possuidor de um grande bigode, doença do coração. Visitei-o na véspera.

O terceiro terá sido um acidente vascular? Nunca soube ao certo.

O quarto deixou de enxergar em virtude do diabetes.

Criança e adulto compareci a todos os funerais.

Mais doloroso foi carregar o caixão do quinto, vítima de doença voraz. Estava a seu lado no derradeiro suspiro.

Reunidos na mesma sepultura, provavelmente contando passagens vivenciadas no dia-a-dia de seus táxis.

Das filhas que venceram a infância, a mais jovem o coração parou antes da hora.

A do meio não me lembro.

A mais velha, exímia costureira, partiu nonagenária e lúcida.

Nem todos os nove filhos que Maria viu crescer deram-lhe netos, mas por essas coincidências da vida, Maria teve doze netos, dos quais conheceu nove e, felizmente, como deve ser a ordem natural da vida, não viu morrer nenhum.

A casa onde morreu Maria foi recentemente demolida. Assim, em breve, restará de Maria apenas algumas nubladas imagens na memória de uma criança, a quem ela um dia, lá longe, deu um doce.

-------------------------------------------------------------------

Este texto faz parte do Exercício Criativo - Meus Doze Filhos

Saiba mais, conheça os outros textos:

http://encantodasletras.50webs.com/meusdozefilhos.htm

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 10/08/2015
Reeditado em 12/10/2015
Código do texto: T5341208
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.