Cupido despreocupado

Agora à tardinha dei uma pausa no trabalho e vim passear pelos jardins.

Cada pessoa tem uma maneira de quebrar o ritmo alucinante das tarefas, das ordens do chefe ou da companhia dos colegas. Alguns vão à copa tomar um cafezinho mais demorado enquanto outros saem para pitar um cigarro. Eu procuro os jardins.

Hoje os pássaros não apareceram. Os sabiás, os joões-de-barro e a asa branca não vieram bisbilhotar minha indumentária estranha num dia calorento. Ao longe ouvi apenas um bem-te-vi solitário.

A ausência dos pássaros mostrou-me outra possibilidade. O espetáculo desta tarde foram as árvores frutíferas. Se fôssemos menos apegados sofreríamos menos. Inúmeras vezes fixamos o olhar em algo que nos traz desconforto e recusamos olhar para o outro lado e vermos novas possibilidades nos acenando. Não que os pássaros fossem indesejados, mas suas ausências fizeram-me olhar para as ‘invisíveis’ árvores frutíferas. E são tantas! Pés de pitanga, laranja, café...

A meia distância observei uma colega que cutucava uma manga quase madura. A magia da árvore carregada de frutos é que ela não esconde o fruto. Mostra-o desde a floração, passando pelo fruto jovem até exibi-lo colorido, atraindo olhares, salivas e cutucões.

Não adianta implorar por frutos fora da época. A natureza tem seu tempo e não gosta que o alteremos. Só que o nosso egoísmo, nossa necessidade insiste em cutucarmos as frutas fora da hora. A seção de vegetais dos mercados está repleta de frutos verdes.

Assim como a mangueira não dá frutos fora da estação, é quase nula a possibilidade de encontrarmos a pessoa amada fora da hora, ou numa mangueira. Fora da época não adianta sacudirmos seu tronco ou ameaçá-lo com um machado amolado. Ela é dona do seu tempo e indiferente aos nossos desejos. Na hora certa a árvore nos dará seu fruto sem pedir nada em troca.

A colega que cutucava a manga tinha os ombros arreados e o coração em prantos chorando o amor recém-perdido. Confidenciou-me as últimas mensagens que trocaram pelo celular. Eram bilhetes tristes mostrando que sofriam porque insistiam em não mudar o olhar e ver outras possibilidades que o relacionamento oferecia.

O cupido sobrevoa nossas cabeças e no tempo certo flechará o amor das nossas vidas. O cupido não se preocupa com a nossa solidão. Ele sabe que no instante certo trará a pessoa amada sem nos pedir nada em troca. Nunca vi alguém prometer-lhe sequer uma flecha nova... Santo Antônio leva mais vantagem.

No amor o cupido é o senhor do tempo. Antes da hora marcada não adianta rogar aos céus, ou descer ao inferno. Ele se mantém sereno, indiferente aos nossos sofrimentos.

A mangueira não sofre por estar sem frutos. Ela sabe que as mangas virão; soberba, ignora nossos pedidos de frutos fora da época. A árvore não quer o fruto para si, por isso o exibe em cores, sem proteção ou armaduras, exposto ao sol ou chuva, dia e noite.

Nunca vi cupido sofrendo por amor. Ele não quer o amor para si. Quer encontra-lo e nos entrega-lo livre, leve e solto. Não conheço cupido cansado. Para nos ver felizes procura o amor dia e noite. E se mandamos um amor embora, vai-se ele à procura de outro.

Enquanto minha amiga amargava sua dor, desviei o olhar e vi sentado num galho, saboreando uma deliciosa manga, um cupido despreocupado.