A PALAVRA MEDO

Cena de guerra e fuzil e sangue...

Onde estão os afagos e os beijos e o abraço?

Cena de guerra e mãos para cima e mãos algemadas e confusão. Uma crônica áspera e truncada e difícil, um senão.

Os beijos e os afagos e o abraço onde estão?

É só poeira e tristeza e desilusão.

Estarão juntos o beijo e o tiro, o abraço e o fuzil, os afagos e a agressão?

Cena de guerra, uma página na história, botas, farda, faca entre os dentes, caveirão.

Mas voltemos ao beijo e ao queijo e ao pão. Beijo esperado. Queijo partido. Pão alcançado. Suor e lágrimas. Mistura. Massa diária e fermento da crônica. Voltemos aos olhos de alguém que não percebe a força do cotidiano, entretanto, vê tudo o que se passa. E tudo é forte e fala até quando cala.

Os tiros e os rostos intranquilos e os dias e as fugas e as cidades próximas e o cheiro de álcool e pneus velhos queimados e as imagens da selvageria ainda vivas. Tudo vivo ainda na cabeça de todos. São Gonçalo, Niterói, Caxias... Há covardes que se aproximam. Há muitos covardes. Pseudo-homens que levantam fuzis e gritam e matam e morrem. Morrem cedo. Morrem tarde. Morrem e matam.

Mas voltemos ao abraço e ao corpo e ao chão. Abraço desejado. Corpo moído, trêmulo. Chão e descanso, sono. Suor e lágrimas. Heterogeneidade. Idade e insanidade. Pasta diária e fermento da crônica. Voltemos aos olhos de alguém que não entende o poder do cotidiano, contudo, vive e vê tudo o que passa. E tudo é muito e grita até quando cala.

A água escura do esgoto leva detritos humanos. As águas fétidas e viscosas levam coisas e seres. E fogem muitos. E fogem eles, os pseudo-homens. E são baratas e aranhas e ratos. E têm muitas mãos e pés e dedos com que avançam e empurram o que está pela frente. Anseiam chegar em vielas novas.

Mas voltemos ao silêncio. Voltemos ao silêncio perplexo dos espectadores da cidade da guerra. Alguns fugiram. Muitos fugiram? Alguns... Alguém... Voltemos ao silêncio estarrecedor. A palavra MEDO corta o horizonte como bala. A palavra MEDO parece estar ali, imóvel e imponente. A palavra MEDO ri dos homens e dos bichos. A palavra MEDO ainda existe. E ainda existe o medo da palavra MEDO.

É um medo que paralisa e que compromete o futuro.

CAMPISTA CABRAL
Enviado por CAMPISTA CABRAL em 29/07/2015
Código do texto: T5328124
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