ATLETA FOI LITERALMENTE ATROPELADO POR UM TREM

 
 
Assisti e ouvi agorinha mesmo a transmissão da final dos 100 metros rasos masculino nos jogos Panamericanos de Toronto, lá no Canadá. Foi interessante. Mas excepcional mesmo foi o que disse o comentarista ante o resultado do embate pernóstico. De repente no final um jovem atleta canadense apareceu "do nada" e levou a medalha, as flores e o mascote. Tudo foi surpresa. Então, entusiasmado, disse o comentarista: "_ _ _ _ _  foi literalmente atropelado por um trem a toda velocidade!". Desculpem, mas eu "literalmente" esqueci o nome do atleta. Então o narrador concordou: "Você tem toda razão: literalmente é a palavra exata!" faltou dizer que "literalmente" era a palavra "literal". Esse povo deve estar doido, ou sob o efeito de alguma droga ilícita lá para os lados do Canadá. Como assim, literalmente? Eles repetiram, repetiram e repetiram a cena, e eu, honestemente, não vi nenhum trem invandindo a pista e passar a todo vapor atropelando os atletas ou qualquer outro tipo de ser vivente. Estavam cansados, mas de bater pernas, não de ser atropelados por trem. Atropelados foram o locutor e o comentarista, "literalmente" atrapalhados. E tem aquele "a toda velocidade", será que também é literalmente? Não sei quando isso começou, mas cada vez mais percebo o emprego dessa palavra, literalmente. Quase sempre empregada de forma inadequada. Geralmente é usada quando a figura de linguagem é  uma metáfora ou uma hipérbole. Nesse caso deviam dizer "metaforicamente" ou "hiperbolicamente". Em situações tais o esperado é dizer latamente, mas não... lá vem o danado do literalmente. Talvez seja por isso que os atletas tenham começado o costume de morder suas medalhas, como a dizer que eles "comeram" os adversários, nesse caso quase literalmente. Mas existem muitos outros casos. Já ouvi gente dizer que "o estádio literalmente pegou fogo!". Mas como, se o danado era só concreto.? Também não vi bombeiros nem pessoas desesperadas procurando os portões de saída, o que é frequente nessas situações. Aqui em Goiânia, faz pouco tempo, e já contei isso aqui, ocorreu um incêndio num condomínio de apartamentos populares. Uma moça ficou acuada entre o fogo e a janela, com aquele ar de quem vai pular. Foi aquela agonia. Mas tudo terminou bem, a moça foi salva. Mas o jornalista, bastante preciosista, arrematou: "a moça foi literalmente encurralada!". Pensei: o que significa isso? Estão construindo currais em apartamentos populares? Ou, além de quase ser queimada, a moça sofreu um estupro? Não, quem foi estuprada foi a última flor do lácio. Na mídia existe uma tendência em carregar nas tintas no emprego da língua. Assim são criados lugares-comuns, clichês, que pouco primam pela correção. Assim é o emprego de palavras  ou expressões como: "o suposto criminoso"; no carnaval tem os "foliões" na "festa do reinado de Momo", e; tem o tal do "anímico", usado para substituir o termo "psicológico". Aposto que ninguém leu Freud ou Jung. E por aí vai. Na verdade os jornalistas deviam comunicar, trasmitir as mensagens, e, no meu entender, isso não deve ser feito  com preciosismo maltrapilho ou com excessos de lugares-comuns. Desse jeito a vaca vai pro brejo. Latamente, é "claro". Lato, mas não sou cachorro. Literalmente, é claro.

P.S.: usei pernóstico no sentido lato, que não é o do uso comum nem etimológico.