Eduardo e Mônica e a lição de respeito
 
          Eu tinha dez anos quando a música Eduardo e Mônica foi lançada e era difícil compreender o que o verso Ela era de Leão e ele tinha dezesseis queria dizer. Eu achava que não tinha nada a ver. Com o tempo e maior maturidade leitora ficou mais fácil captar a genialidade da letra inteira que fala da possibilidade do amor acontecer entre pessoas que parecem ser bem diferentes.
 
          Quantos Eduardos e Mônicas podem atestar isso com suas histórias? Vários, suponho. E não precisa ser só história de amor hetero. Nem mesmo precisa ser só história de amor romântico. Quantos amigos são tão diferentes e, por isso mesmo, se completam que nem feijão com arroz?
          Mas, vou ilustrar com uma outra história de amor – dessas que não ocupam manchetes de jornal, não viram história na mídia, contudo são capazes de encher a vida com mais significado.
          Sou de Humanas. Ele, de Exatas. Adoro ler e ele ama os números. Não consigo compreender nem o enunciado das questões que ele calcula aqui do lado. Mas, também ele não entende para que tanto livro do meu lado de cá, nem como é possível pesquisar coisas relacionadas à linguagem. Posso passar horas em uma livraria ou biblioteca. Ele se pergunta se isso é coisa de doido.
          Ele é fluminense, eu detesto futebol. Ele sabe o nome de todos os ministros (de todos os tempos) e eu me sinto alienada. Ele passa horas assistindo a corridas de Fórmula 1 e foge de programas que envolvam música clássica, balé, ópera, museu e teatro, em geral, que eu adoro fazer.
          Ele é a favor da redução da maioridade penal. Eu tenho lá minhas dúvidas. Ele prefere não fazer planos a longo prazo (e um mês já é longo prazo para ele) e eu tenho planos, sonhos e metas para quase a vida inteira (nem que tenha que rever tudo de tempos em tempos). Sou elétrica, tenho muitos loucos projetos acontecendo simultaneamente. Ele parte da premissa que precisa fazer uma coisa de cada vez e que as próximas férias vão ser suficientes para dar conta de tudo que não foi feito no ano.
          Dizem que sou branca, embora eu hesite em afirmar isso categoricamente, em um país onde impera a miscigenação. Dizem que ele é moreninho, o que ele contesta, pois diz que é negro. É, concordamos que negro não é nenhum insulto ou palavrão. Ele é espírita kardecista e acredita em reencarnação. Eu sou cristã, agora muito menos ativa na Igreja em que congregava. Acredito ainda em ressurreição.
          Ele curte funk – das antigas, como ele enfatiza. Ele já foi DJ. Eu adoro dançar, embora certamente faria vergonha se fizesse isso em público. Adoro viajar, conhecer novos lugares, marcar no mapa os próximos destinos. Ele não curte tanto avião, fila e espera nem para diversão.
          E assim vão seguindo as diferenças. E vamos convivendo o mais harmoniosamente possível. Como? Porque, acima de tudo, respeitamos que nossos pontos de vista são apenas isso: um ponto, uma visão. Existem muitos outros pontos e visões, alguns dos quais compartilhamos; outros, talvez até mesmo desconhecidos de ambos. E onde há respeito, o diálogo pode acontecer. Às vezes, terminamos uma conversa dizendo: Entendo o seu ponto de vista, embora não concorde com ele. E seguimos, deixando que o amor e respeito falem mais alto. Acho que estamos fazendo isso bem, afinal, esta semana completamos oito anos de casados.
          Convém salientar que tantas diferenças, que nem trouxe à tona neste texto, convivem com muitas outras semelhanças, das quais vou destacar apenas uma: certamente ele não é uma pessoa ignorante com visão limitada. Não temos preconceitos e lutamos com os nossos pré-conceitos que, muitas vezes, estão arraigados por nossa criação familiar, histórico de vida, contexto cultural em que vivemos.
          Afinal de contas, não dá mesmo para conviver com gente que se acha sempre o certo e não está aberto ao diálogo e troca de ideias – ainda que não mude sua opinião. Porque respeito ao outro é fundamental para qualquer relacionamento entre tantos Eduardos e Mônicas diferentes que há neste mundo, sejam eles amores, amigos ou meros conhecidos.
          Porque ser amigo não é concordar e ter a mesma velha opinião sobre tudo – como diria uma outra música. Antes, é saber respeitar e gostar de conversar (versar com o outro).  No sentido bakhtiniano, essa polifonia vai nos tornando quem nós somos. E eu adoro essas muitas vozes que me constituem. Sim, tenho aprendido a apagar aquelas que são apenas ladainha que não servem para nada.
          A esses tantos tipos de Eduardos e Mônicas da minha vida, eu brindo hoje. A vida se torna muito melhor quando há apreciação das diferenças.


Imagem disponível em: http://ocasulodasletras.blogspot.com.br/2015/02/sucesso-do-legiao-urbana-eduardo-e.html 

Esse texto é uma homenagem a meu marido Marcos pelo oitavo aniversário de casamento que completaremos nesta terça-feira, dia 07/07.
Solimar Silva
Enviado por Solimar Silva em 05/07/2015
Reeditado em 08/05/2020
Código do texto: T5300346
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.