Ofício da Profissão

Venho até aqui entre essas linhas amarelas de meu caderno empoeirado para deixar rabiscado meu súbito pensamento. Há quem diga que não é necessário, mas o que seria de um maratonista sem as pernas? É por isso que a mão calejada do poeta borbulha para escrever.

Mas aqui caro amigo leitor não quero escrever uma poesia e sim um relato que acontece todas as quartas-feiras de manhã. Peço minhas sinceras desculpas caro leitor, se espera encontrar aqui uma poesia. Confesso a ti que realmente não deu para poetizar, então pela primeira vez espero que tenha a paciência de me ver prosear.

Toda quarta-feira às cinco horas, em ponto, o despertador abre a boca e derrama sobre meus ouvidos seu canto melancólico, então me levanto e caminho até o banheiro para tomar um belo banho, com a água desviada do cano da SABESP. Enquanto isso lá na casa de minha mãe, minha querida mamãe que é vitíma do poder patriarcal, prepara o café e logo que acaba volta para o quarto e para os braços de meu pai.

Enquanto tomo banho, vou pensado em minha esposa, no meu time de futebol o “FUMUCA" e outras tantas coisas que passa ou que já passaram por minha vida.

Exatamente as seis e quarenta, chego na escola e as sete o sinal toca e uma mulher mal amada e de cara amarga grita com todas as crianças:

_Silêncio...Eu já não disse que assim que tocar o sinal é para todos irem para o seu lugar na fila...

Um silêncio ecoou pelas paredes frias da velha escola, então a mesma mulher mal amada prosseguiu:

_Vocês sabem muito bem que toda quarta-feira vamos cantar o hino, por isso fiquem de boca fechada!

Nesse instante minha alma foi buscar o último gole de paciência, de liberdade que havia se perdido, e a mulher de cara amarga prosseguiu:

_ Hei mocinho...É você mesmo! Tira o boné da cabeça, postura ereta e muito respeito para cantar o hino.

Minha alma foi assassinada quando tentava voltar para meu corpo. Minha paciência voou pelos ares e até hoje não voltou. Minha liberdade...Há essa só de lembrar fez o gládio enferrujado cortar o coração. Minha liberdade se tornou vários cacos espalhados pelos quatro cantos do pátio escolar empoeirado e triste.

A cena prosseguiu e o hino saía da boca das crianças como uma erupção grandiosa de amor e falsidade, ou melhor, de nenhum dos dois, pois nem o mais dos patrícios entende o que realmente quer dizer o hino nacional. Imagine então algumas centenas de crianças que são a plebe da nação.

Quando já me encontrava desfalecido no fundo do pátio a cena tem o seu THEN END, e as crianças subiram as escadas apertadas em silêncio. Assim que entramos na sala a professora disse em tom grave e alto:

_Caderno de ciências! Vamos estudar os animais...

E o segundo animal a ser citado pelo texto foi uma ovelha. O hino e a cena não saiam da minha cabeça. Então resolvi juntar o presente com o passado e o que vi em minha cabeça era um monte de ovelha cantando o hino, assim como as crianças. Para vigiar as ovelhas lá estava o cão pastor, raivoso, feroz e sedento, para abocanhar os mais inocentes sem ao menos saber porque. Assim como os professores que olhavam para os alunos na hora do hino sedentos por reprovação e obediência. E por fim para mandar nos professores...Quer dizer nos cães pastores os burgueses. Estes dominam tudo e todos, quando há resistência perante o poder, não excitam em usar a força para destruir e até mesmo matar.

Exatamente igual à mulher de cara amarga e mal amada que grita, humilha e clama por obediência. Caso ela não tenha, não excitará em usar a suspensão, advertência, ou deixar a ovelha...Quer dizer as crianças sem recreio.

Como o caro amigo leitor pode ver, não há diferença entre uma criança e uma ovelha, um cão pastor e um professor, um burguês dono de tudo e uma pessoa de cara amarga e mal amada. Não vá pensando, caro amigo leitor que estou sendo machista...Se quiser pode trocar a mulher de cara amarga e mal amada por um homem de cara amarga e mal amado.

Agora lhe peço um grande favor que não conte nada para aquela mulher de cara amarga e mal amada, porque não quero que minha esposa saiba que andei falando mal dela!

Vagner Alves
Enviado por Vagner Alves em 17/06/2007
Reeditado em 07/10/2009
Código do texto: T529959
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