DEUSES E MILAGRES

A reunião foi tensa. E não podia ser diferente. Afinal, o último encontro deles aconteceu antes do nascimento de Cristo e acabou em tragédia. Muita mágoa e ressentimento ainda estavam no ar, não obstante o decurso do tempo. Mas eles não podiam recusar essa convocação extraordinária depois das últimas notícias que colocavam sua pátria terrena no centro de uma crise que já se alastra por toda a Europa. A crise do euro, com efeito nas bolsas de meio mundo.

Por isso, em plena era da internet, quando ninguém mais ouvia falar neles, ei-los despertos de seu sono milenar, a caminho do Monte Olimpo, a mais alta montanha da região, para uma reunião de emergência. São os deuses gregos. Doze figuras imponentes dispostas a mover, literalmente, céus e terra na busca de uma solução para saldar uma dívida dos tempos modernos, que se transformou numa verdadeira tragédia grega. Para eles, isso era uma questão de honra. Um país que foi o berço da democracia, da filosofia, da civilização ocidental enfim – o país de Sócrates -, não pode agora entrar para a história como o patinho feio do continente por causa de uma sacola de euros.

E foi com esse espírito de indignação que Zeus, depois de espanar a poeira imemorial acumulada no seu trono, iniciou os trabalhos:

- Nunca antes na história do Olimpo tivemos de suportar um vexame tão grande. Primeiro foi a inveja dos romanos, que criaram deuses à nossa imagem e semelhança. Júpiter, Saturno e Netuno não passam de clones nossos. Depois os troianos levaram Helena, os persas destruíram a Acrópole. E o país acabou perdendo a identidade quando trocou a moeda mais antiga do mundo pelo euro. Sem o dracma, renunciamos à nossa história, perdemos o elo com nossa gloriosa antiguidade. Aceitamos o euro e ele agora é nosso cavalo de troia, que trouxe o inimigo para dentro de casa.

Nesse ponto os ânimos se exaltaram. Poseidon se dispôs a lançar o mar Egeu sobre os países vizinhos. Dionísio não teria dificuldade em se infiltrar na próxima reunião dos gananciosos credores e embebedá-los todos. Já Afrodite poderia seduzir os mais resistentes e levá-los num passeio sem volta ao labirinto de Creta ou ao desfiladeiro das Termópilas. Mas, depois de ampla discussão, nada disso foi aprovado.

- Os tempos são outros, concluiu Zeus, agora mais tranquilo. No século XXI, a tática é negar tudo. Ninguém viu nada, não sabe de nada, não assinou nada. Assim, quem sabe, essa dívida vai para as calendas gregas.

E ele já ia encerrar o conclave quando outra personagem quis participar da reunião, por teleconferência, porque ela também estava com problemas, queda de popularidade e precisava de ajuda superior para terminar seu segundo mandato. Identificou-se como “mulher sapiens”.

- Somos deuses mas não fazemos milagre. Não, fora da nossa jurisdição – trovejou Zeus. E soou o gongo com tanto estardalhaço que muita gente desocupada por aqui interpretou como

panelaço.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 30/06/2015
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