Doma racional

Há algum tempo esteve no Brasil o empresário Monty Roberts, idealizador da técnica conhecida como doma racional. As demonstrações utilizam linguagem corporal para obter a confiança do animal, mostrando que o método é eficiente e supostamente não utiliza qualquer tipo de violência. Seu trabalho inspirou o tema do filme “O encantador de cavalos”, se tornando referência para profissionais da área.

Transcendendo a técnica inovadora do norte-americano para as relações humanas, seria interessante que o competente manipulador de equinos desenvolvesse também algum método para domar certos órgãos humanos, que frequentemente tendem a destoar do conjunto originalmente projetado para (na maioria das vezes) pensar e agir com sabedoria. Poder-se-ia assegurar com convicção que a primeira porção humana a ser domada seria aquele órgão alongado, musculoso e móvel que se aloja na cavidade bucal, responsável pela deglutição e o paladar, mais conhecido como língua. Seu uso inadequado causa transtornos por conta do mau hábito adquirido ao falar demais e sem necessidade. Ainda coloca frequentemente seu proprietário em maus lençóis, naquelas ocasiões em que o semelhante resolve devolver o insulto em forma de sopapos, tabefes e algo mais contundente e altamente danoso ao organismo humano.

As situações embaraçosas provocadas pelo uso indiscriminado do livre arbítrio da língua não param por aí. Os exemplos se sucedem e acabam por constranger os protagonistas e espectadores de inusitados colóquios. Houve um caso em que numa conferência de chefes de Estado, um colega de idioma ibérico visivelmente irritado, se viu impelido a “convencer” o outro a calar a boca diante das câmeras e holofotes por conta das incoerências proferidas, provando que a destemperança verbal atinge a todos indistintamente, independente de cargo, função ou prestígio político, em algum momento de sua existência. Mas por influência dos maus costumes adquiridos ao longo de sua formação moral, o ser humano persiste nesse comportamento e a tendência atual mostra um agravamento dessa postura, inclusive norteando condutas típicas daqueles que são desacompanhados permanentemente de um sentimento indispensável nas interações humanas: a vergonha.

Essa capacidade em receber e sentir sensações psíquicas e mentais varia conforme os conceitos morais de cada indivíduo, sendo que para uns a vergonha é considerada como uma simples linha imaginária que vagueia entre o plausível, o provável e o verdadeiro. Para outros, os que fazem questão de carregar esse sentimento diuturnamente estampado no semblante, as reações são sempre direcionadas para tentar reparar o dano ou prejuízo reclamados. Uma mostra de que a decência e a ética acompanham todos os seus atos, se tornando fiéis parceiras nas relações humanas. Infelizmente os exemplos observados em nosso País não deixam dúvidas: a vergonha passa ao largo de altas autoridades, políticos, empresários, comerciantes, atletas, artistas e tantos outros cidadãos que resolveram simplesmente abolir de seu rol de prioridades diárias esse sentimento de valor inestimável. Isso nos remete às lembranças do irreverente personagem Pantaleão (figura criada e interpretada pelo saudoso e insubstituível Chico Anysio), que não titubeava em contar mentiras deslavadas e se vangloriar por isso.

Conforme o ditado popular “quem fala demais dá bom dia a cavalo”, cá estamos novamente a falar de cavalo, língua, vergonha e da falta dela, na esperança de que realmente exista algum método eficiente para domar a língua solta de muita gente. Até que isso aconteça, todo cuidado é pouco com o que se fala por aí.