O fogo de uma paixão

Ela passava quase todo dia naquela rua. Altiva, séria, jamais olhava para os lados. Logo sumia na esquina, fazendo delirar de frenesi os mais exaltados. Jurema era a perfeição em forma de mulher. Morena de vinte e poucos anos, esguia, olhos translúcidos como esmeralda, cabelos até a cintura, pele bronzeada e lábios carnudos, sempre bem delineados por batom vermelho. Diziam que era casada, mas nunca fora vista acompanhada. Mas de uma coisa, todos tinham certeza: o felizardo que a tivesse em seus braços, seria contemplado com a companhia tal qual uma deusa na terra.

Assim pensava também o Temístocles. Profissional da construção civil há muitos anos, mãos calejadas, semblante marcado pelo sol quente; Seu único defeito era apreciar sobejamente os atributos naturais do sexo oposto. Pior ainda, tinha por hábito dirigir insinuações pejorativas às que porventura, tivessem a infelicidade de ser o alvo de seu comportamento inconveniente. Dizia ser um amante irresistível, ao estilo do galã Clark Gable, que em sua época estraçalhava os corações femininos. Por diversas vezes fora aconselhado pelos colegas de profissão a deixar de lado esse mau costume, porém o galanteador insistia em constranger aquelas que julgava “disponíveis”.

Eis que um belo dia Jurema acabou abordada pelo cortejador. Foi direto ao assunto, certificando-se que suas intenções ficaram bem claras. Arrematou dizendo que das mulheres que provaram de sua “caloria” nenhuma havia se queixado, pois nunca “negara fogo”. “Hoje à noite lhe darei uma resposta”, foi o que o ouviu. Comentou com todos os colegas da obra, antecipava os detalhes do fato, fazendo rir os mais tímidos. “Hoje vai ter festa”, pensava ele, enquanto se barbeava para o tão esperado encontro. Vestiu-se com a melhor roupa, experimentou os sapatos novos, exagerou na colônia importada, antevendo o grande encontro.

Chegou mais cedo ao local combinado, solicitando uma mesa em ambiente reservado. “Tenho que impressioná-la”, pensava ele. Foi quando sentiu uma fisgada na nuca, que queimava como ferro em brasa. Um golpe certeiro de um pequeno objeto metálico o jogou ao chão. Sem entender o que se passava, levou o terceiro golpe, que dilacerou a orelha. Seu algoz não lhe deu trégua, deixando-o prostrado, sem esboçar reação. Conseguiu reconhecer a bela Jurema ao lado do marido, que empunhava um açoite com elos metálicos, daí o motivo de tamanho estrago no galã de “meia-tijela”. Voltou para casa rasgado e humilhado, não sem antes fazer uma parada obrigatória no pronto atendimento, para providenciais remendos na epiderme e cartilagens diversas. Recebeu uma dosagem generosa de analgésicos, a fim de acalmar definitivamente o “ardor calorífico” da refrega merecida.

Desse dia em diante, nosso herói não se encanta mais com as formas curvilíneas e esvoaçantes das moçoilas, sejam elas loiras, ruivas ou morenas. Prefere concentrar sua atenção no serviço, mesmo porque ainda sente, vez ou outra, um calor inexplicável a lhe percorrer o corpo, quando ouve um certo ruído metálico. Realmente, existem paixões inesquecíveis.