João e Maria

Ontem conheci João, o homem mais alto que já vi em toda a minha vida. Pode ser redundante falar isso, mas ele é um grande homem!

Atravessando a rua, observei alguém ajoelhado quase no meio da rua catando uma série de frutas que rolavam como bolas, com todo o cuidado, enquanto uma senhora o olhava preocupada com o trânsito que ferozmente não parou para observá-lo.

Cheguei mais perto, olhei para ele e até ofereci ajuda, porém João apenas sinalizou com a mão que estava tudo em ordem e eu não precisava me preocupar. Depois de colocar tudo novamente na sacola, pegou a senhora pela mão com toda a delicadeza e a levou para a calçada, tirando uma espécie de tala da mochila e enrolando em seu pulso.

A senhora por sua natural debilidade na certa tinha caído no chão e por isso as frutas rolaram e estava machucada. Toda a ação foi em silêncio e quando se despediram ele apenas disse para ela ir devagar pela rua e que seu interior fosse preenchido por uma paz nunca antes sentida.

A cena foi impossível de ser esquecida, porém o que marcou mesmo, de fato, com toda a certeza o momento foi quando ele olhando para mim disse: - Perdi minha maria no vento de ontem!

Eu o encarei com espanto e sem entender muito. O que seria a Maria? Sua namorada? Um objeto que representava afeto e carinho? Então, depois de alguns segundos perdido eu resolvi perguntar quem era Maria.

-Perdi minha Maria. Perdi minha Maria no vento de ontem!

Ele repetiu mais umas nove vezes e quando foi pronunciar pela décima vez eu coloquei a mão em seu peito e disse: -Não perdeu sua Maria, porque ela ainda está aqui, batendo junto com seu coração e levando vida para sua vida. A Maria jamais iria ser levado por um vento.

João olhou para frente como se estivesse procurando algo no horizonte e depois repetiu mais uma vez a frase, desviando de mim e partindo em qualquer direção.

Começava a ventar. Seria um vento desses que levou Maria?

Atravessei a rua e fui para o ponto de ônibus. Olhei as pessoas que cruzavam por mim, com seus olhares mórbidos, parecendo não serem reais. Tudo parecia a poeira em cima de um móvel, que você desenha ou assopra. Não enxerguei vitalidade, personalidade ou esperança. Eram olhos que se abriam e se fechavam como um sinal de trânsito. Já no ponto de ônibus, modifiquei meus pensamentos, ou melhor, direcionei eles para outro lugar.

Observei como as cores do céu estavam diferentes. Sim, estava tudo escuro, parecendo azul-escuro ou negro mesmo, mas não, não era somente isso. O céu estava com uma camada cinza, querendo ser branca. Negro e branco. Foi aí que lembrei. Lembrei de uma conversa que tive com uma grande pessoa, em um grande dia e em um grande lugar. Naquela ocasião, falávamos sobre o amor e sua força. Falávamos de paixão e de como cresce, se desenvolve e morre. Do ciclo mais natural e inevitável de todos.

Eu dizia que amava e que amei. Ele me olhava e depois de educadamente me deixar falar livremente ele perguntou: - E, então... quais são as cores que definem o amor? O seu amor... o amor que você amou?

Foi uma pergunta rápida, sem pensar muito e merecia também uma resposta da mesma maneira. Olhei para o chão, respirei fundo e respondi: - Preto e branco. Me interrogou com os olhos e eu continuei: -simples, porque o amor é presente e mesmo na ausência ele pode ficar vivo. O branco é o resultado da junção de todas as cores, enquanto o preto é a completa ausência de luz. O branco é o efeito do amor ardendo, vivo e querendo ser amado. O preto é a solidão e a falta total do amor corrosivo. Essas são as cores que representam o amor para mim.

Preto e branco. A lembrança invadiu minha mente ao observar aquele céu preto e branco, e enquanto observava o vento continuava.

Quando abaixei novamente a cabeça lá estava ela, sob o mesmo céu que eu. Olhava para longe, perdida e sem semblante. Era a Maria. A Maria que sussurrava, dizendo que perdeu seu João. Perdeu seu João nas gotas da chuva.

Tudo fez sentido. João e Maria; Maria e João. O vento levou Maria e a chuva levou João. Perdidos de si e um do outro. Perdidos.

Apenas perdidos estavam, pois na certa não marcaram o caminho do amor.

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JBorsua
Enviado por JBorsua em 16/05/2015
Reeditado em 02/04/2020
Código do texto: T5244381
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