Internetheid

Em um futuro distante, a Organização Espacial da Saúde declarou oficialmente que a síndrome de Graham Bell era um problema que acometia 70% da população universal, pressionando os governos de todos os planetas a adotarem medidas eficazes contra o uso excessivo de aparelhos de comunicação.

Em meio a calorosas discussões de diversos setores da sociedade e após inúmeras convenções internacionais e planetárias, grande maioria dos líderes intergalácticos havia decidido: a Internet deveria ser considerada ilícita para fins de preservação da humanidade e perpetuação da espécie.

Há muito o ser humano não interagia entre si. A taxa de natalidade era ínfima e a comunicação oral havia se restringido a frases curtas e grunhidos desatenciosos. A medida adotada pelo governo era imprescindível.

Responsável pela queda de produtividade, depressão precoce, déficit da economia, fracassos matrimoniais e privação do contato humano, a Internet era como o crack no século XXI.

Qualquer um que fosse pego utilizando era preso imediatamente. A fiscalização era rígida, e em todos os dias as autoridades faziam o teste do internetômetro. Aquele que não conseguisse ler um texto inteiro de 2 páginas estava visivelmente internetado, devendo ser internado compulsoriamente, sendo considerado inapto para as tarefas mais simples.

O tráfico de Internet passou a ser um negócio altamente rentável. Aqueles que possuíam melhores condições compravam de traficantes a maior velocidade e usavam por um determinado período. Os com pouco dinheiro compravam a pior velocidade possível, misturada com ondas de frequência diversas de má qualidade e que não durava muito tempo. Até o ponto em que acabava o dinheiro e passavam a roubar e matar pelo consumo.

A parcela minoritária não atingida pela toxicomania, ao longo dos anos, passou a ser a classe dominante. Eram os detentores de maiores cargos com melhores salários, eram os que moravam nos melhores pontos da cidade e os que criavam e julgavam as leis. Também possuíam lugares próprios para frequento e serviços de saúde de qualidade única.

Anos de informação excessiva e desnecessária tinha deixado mais da metade da população estúpida, corcunda e improdutiva, ao ponto de uma verdadeira segregação ser instaurada.

O período conhecido como Internetheid, marcado pela dominação de uma minoria sobre uma maioria impensante e preguiçosa, talvez tinha chegado para ficar, sem a esperança de que haveria uma cabeça pensante que sairia da prisão para combater o regime instaurado.

De um lado estavam aqueles que a teoria da involução chamou de sub-humanos, medindo aproximadamente 2 metros, com cabeças grandes e cérebros pequenos, braços longos e dedos compridos para melhor uso de aparelhos simples dos serviços manuais, bocas pequenas, já que os alimentos em grande parte se tornaram líquidos, possuindo ainda grandes olhos, órgãos reprodutores levemente atrofiados e o dorso ligeiramente corcovado.

Do outro, aqueles que inicialmente não se adaptaram ao meio intra-mega-superconectado, e perceberam que isto não os extinguiriam, do contrário, seriam donos do universo, caso escravizassem uma minoria que lhes fornecesse tudo.

Com maior intelecto, criavam as leis e submetiam à população na tela de seus aparelhos domésticos que “lia” e concordava com todos os termos impostos por eles. Também eram os responsáveis pela produção e fornecimento de notícias, não havendo concorrência nem oposição.

Eram os donos de todos os setores privados e públicos da sociedade, chefes do executivo, legislativo e judiciário, médicos, filósofos, sociólogos e professores que, após o expediente, encontravam-se e riam entre si: o ser humano evoluído e bem informado nunca foi de tão fácil manipulação.