Não desistamos deles

Muito se tem falado, ouvido, criticado e esperado da educação de nossos filhos. Todos os dias os pais mandam seus filhos à escola sem questionar o que está sendo ministrado no currículo, nem o que eles têm realmente aprendido. Maquinalmente, os pais encaminham seus filhos para nova jornada escolar (enquanto correm – literalmente – para dar conta de tudo o que precisam fazer no seu tumultuado dia de apenas 24 horas!), as crianças (enfadadas com a arcaica forma de ensinar) começam outro turno passível de uma aprendizagem que não lhes interessa e, os professores (tão vítimas da sociedade que os abandonou quanto os outros protagonistas dessa vergonhosa história), movem suas mentes violentadas para nova – e exaustiva – jornada de “tentar” ensinar quem já não quer aprender.

Você irá questionar que estou generalizando, que nem todos pensam dessa forma. Que muitos querem uma educação de qualidade para seus filhos. Que grande número de alunos desejam aprender o que lhes é ensinado e mais: que os professores são heróis lutando para salvar um sistema fracassado. Concordo. Porém, paremos para analisar, por alguns minutos, o que realmente tem acontecido na educação de nosso país e, quem sabe, ao final dessa reflexão, você concorde comigo que precisamos mudar algumas coisas – e em caráter emergencial!

Os pais têm lutado, todos os dias – e aqui abro um parêntese ao afirmar, como mãe, que “com todas as suas forças e as forças emprestadas dos outros (avós, tios, irmãos mais velhos, vizinhos, amigos...)” – para que seus filhos tenham uma vida melhor do que eles tiveram. Lembro-me de meu pai, semianalfabeto, dizendo: “Você tem de estudar se não quiser trabalhar no pesado como eu...”. Ele não estava desmerecendo seu trabalho honesto que nos sustentou, mas queria uma vida melhor para seus filhos. Nos fez ver a necessidade de se estudar, de se aprender como garantia de um futuro melhor. E isso é bom: desejar uma vida melhor, mais plena, completa para os filhos. A questão é: Hoje nós sabemos o que é melhor para nossos filhos?

Dar tudo o que o filho nos pede (nem que para isso deixemos de lado coisas muito importantes para nós, apenas para satisfazer o capricho dele) é o certo a ser feito? Concordar com o filho em tudo, sendo cúmplice até mesmo de seus erros, achando que os estamos protegendo, realmente os protege? Sociólogos renomados, como Bernardo Sorj, afirmam que “Nossas crianças não sabem brincar, crescem sem saber como valorizar seus pais pelo que eles fazem por eles, nem mantêm a menor intenção de cuidá-los na velhice”. Uma coisa é certa: se tudo continuar dessa forma, seremos a última geração a zelar pelos pais. Estamos criando filhos que não saberão – e pior! – não quererão cuidar-nos quando velhos. O que fazer?

Difícil responder, principalmente quando sabemos que tudo o que desejamos é que nossos filhos tenham o melhor. Talvez esse melhor seja voltarmos às nossas raízes. Ensinar aos filhos o quanto é gratificante trabalhar para comprar algo que se deseja. Não foi assim conosco? Quantos de nós recolhemos garrafas e latas, ou vendemos hortaliças e verduras das hortas de nossas mães, ou mesmo cortamos lenha, grama, limpamos lotes ou arrendamos uma roça para arrancar feijão e, assim, poder comprar a tão sonhada bicicleta ou uma roupa nova para uma festa? Não era boa a sensação de conquista? Nossos filhos sabem o que é isso hoje em dia, quando trocamos seu celular por um mais moderno, não porque o mesmo deixou de funcionar, mas apenas para que ele não se sinta excluído tecnologicamente?

E o que dizer da nossa forma de educar? Vejam: Como mãe não estou aqui para criticar ninguém. Mas questiono a mim mesma: Estamos fazendo o que é certo?

Recordo-me de um episódio da minha infância. Aconteceu um fato na escola, onde acabei sendo acusada injustamente por algo que não fiz. Ao chegar a casa, contei aos meus pais, que me ouviram e, no outro dia, foram à escola para saber “do acontecido”. Eles conheciam meu caráter, no entanto, até não falarem com a professora e esclarecer o ocorrido, não me deram razão. Só depois de tudo esclarecido é que pude respirar aliviada. Pergunto: eles foram injustos comigo? Apesar de na época ter ficado magoada, pois lembro que pensei “Eles não confiam em mim”, entendo o que eles fizeram. Era preciso se ter respeito pela escola, pelo professor e, acima de tudo, ser justo e imparcial na educação dos filhos. E se a mesma coisa acontecesse hoje? Bem provável que, mesmo o filho estando errado, os pais, como forma “de protegê-lo”, iriam à escola para “tirar satisfações”, atacariam ao professor, aos envolvidos, sem mesmo querer ouvir a respeito. Saliento, aqui, que não estou generalizando, mas constatando o óbvio. Talvez seja isso que nos falta como pais: ouvir mais. Ter mais tempo para educar nossos filhos. Inteirar-se (e aqui friso: não apenas perguntar automaticamente – muitas vezes sem nem mesmo ouvir a resposta – mas realmente se interessar) na rotina escolar da criança.

Embora não tenhamos respostas para tantos questionamentos, os professores são unânimes ao afirmar: Nossos filhos precisam aprender a aprender com os mais velhos. Aprender a ouvir e entender que precisam apropriar-se das competências ensinadas na escola como forma de garantir um futuro promissor.

Observo há algum tempo, e não sem certa dor no coração, que todos somos responsáveis pelas falhas na educação. A corporatização do sistema, que massacra o educador; os pais que não participam efetivamente da vida escolar do filho; a criança e o adolescente que não quer e não se interessa em aprender e o professor que, vitimizando-se, muitas vezes se esquece de que além de uma profissão exerce uma vocação.

Talvez o maior desafio do professor seja fazer com que o aluno aprenda a gostar de aprender. Como professores do século XX, lutando para manter em pé uma escola do século XIX, ensinarão de forma eficaz aos alunos do século XXI? Esse paradoxo fundamenta seus fracassos em tentar administrar algo do qual não têm forças suficientes para, sozinhos, tomarem como compromisso.

E, de repente, o professor que todos os dias abraça sua profissão também como vocação; que zela pelo seu aluno, tentando administrar além dos conteúdos da disciplina, como trabalhar os valores humanos (hoje já tão esquecidos pela sociedade consumista); o professor que tenta fazer com que suas aulas sejam mais interessantes do que o mundo lá fora, criando atividades lúdicas, com a intenção de conquistar o interesse do aluno por aprender; esse professor é tido como egocêntrico e “matador de aulas”. E ele, já cansado de tantas batalhas inglórias (como lutar por uma condição de trabalho e salário dignos, lutar para cumprir com sua missão de educador, lutar para “fazer a diferença” na vida de seu aluno), um dia desiste. E isso tem acontecido muito.

Em resumo: muitos pais ignoram a vida escolar de seus filhos, muitos alunos não querem aprender e muitos professores já não sabem como fazer para cumprir com suas metas e objetivos educacionais.

Não importa se você concorda com essa reflexão. E não estou sendo grosseira. Apenas constato novamente o óbvio. Concordando ou não, com certeza você entende que algo precisa ser feito. Que não podemos continuar com nossas rotinas sabendo que ela nos leva ao fracasso da aprendizagem de nossos filhos. E não nos compete mais procurarmos os culpados, mas sim agirmos de forma que amanhã não nos envergonhemos ainda mais da nossa incapacidade de gerir uma geração inteira. Porque se concordamos que a nossa geração sabia aprender, queria aprender (e atribuímos isso aos nossos pais também, além de nossa vontade nata de crescer); então temos de admitir que, o fato de nossos filhos não verem o ato de aprender como direito – e obrigação – deles, também é de nossa responsabilidade.

E assim, imbuídos de um verdadeiro desejo de mudar o destino educacional de nossos filhos, devemos nos unir: pais e professores. Quem sabe assim, um dia, possamos ouvir que eles se orgulham de nós. Orgulham-se por não termos desistido deles.