EXCEÇÃO E DEMOCRACIA

EXCEÇÃO E DEMOCRACIA

Caro, Alberto Fonseca:

Quando criança, se estendendo até a adolescência, me acostumei a ouvir minha avó dizer repetidamente quando havia convulsão política: -"se as coisas esquentarem o exercito entra e acalma tudo, pondo as coisas em ordem”-. Daí desenvolvi um respeito e uma enorme admiração por essa força armada... Danado é que presenciei as coisas esquentarem e, realmente, o exercito interveio.

Só que ficou indevidamente por vinte e um longos anos dirigindo o país mostrando uma falta de sensibilidade e discernimento incrível para lidar com as aspirações sociais e a idiossincrasia humana. Extrapolando a função constitucional de proteger nossas fronteiras contra ameaça externa e observar o ferrenho cumprimento da carta maior, do dever legal.

As ações em represálias às reivindicações sócio/política do povo naquela época eram recebidas e rebatidas tal qual o espírito e feição escabrosa e anacrônica da polícia do final do século XIX e começo do século XX.

Era encarada como anarquia, subversão da ordem, como caso de polícia pura e simplesmente.Naquela época prevalecia, ainda, nas autoridades, o atavismo oriundo do Brasil Império. E os envolvidos eram tachados de subversivos, de comunistas e outras coisas más...

Embora, à mercê de uma constituição que em nenhum dos seus artigos, com exceção do advento do AI-5, e nem tanto, lhe facultava a prerrogativa de usurparem os direitos humanos daqueles que se insurgiam politicamente. Foi essa falta de tato e percepção social que proporcionou a uma fração daquela respeitável organização militar cometer desatinos e violações ao direito humano.

Faço essas divagações por ter assistido ao vídeo por você enviado, Alberto, mas não na forma iterativa recomendada. Na homilia o padre fez críticas fundadas ao governo atual. Crítica bem fundamentada, articulada, mostrando ter aquele clérigo assimilado os ensinamentos ministrados no seminário durante as aulas de retórica.

O momento democrático atual o permite fazê-las.E ele as fez em todas as nuances: moral, religiosas e política, de igual jaez às que muitos tentaram esboçar nos anos de chumbo e foram rechaçados. Torturados. E mortos...

Transportados para o passado recente, numa interversão anacrônica, alguém poderia assegurar que o vídeo - caso houvesse naquela época, - teria sido haurido do fundo do baú de algum comunista, assim chamado pejorativamente aqueles que ousaram criticar e se opuseram ferrenhamente ao regime de então.

Como estas que você faz agora. Como cidadão, garantido pelo artigo 5º, inciso IV, da atual constituição. Sem coerção, sem perturbação ou ameaça. Continue a me enviá-las não somente em vídeos, mas em notícias acrescidas de doutrinas castrenses, enfim, tudo aquilo que outras pessoas bem intencionadas como você também o fizeram.

E foram alcunhadas. Tachadas de comunistas, terroristas e inimigos da pátria. E outras impropriedades. É salutar criticar. Principalmente quando tais críticas estão eivadas de verdades. E aquelas outras, em épocas passadas, foram sacrificadas, massacradas, e também falavam verdades... Iguais a você. Só que graças a eles, hoje, desfrutamos do regime democrático tão desejado. E, você e o Padre, podem externá-las sem temor, escudados na constituição cidadã. Não é verdade, Fonseca?

Data:17/04/2013 antoniofranca12@yahoo.co.br

Antonio França

ANTONIO FRANÇA
Enviado por ANTONIO FRANÇA em 05/04/2015
Reeditado em 28/12/2015
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