Cenário de paz

Ele passa calmamente, acende um cigarro e observa. A noite quente e luminosa de Dezembro está começando a surgir e as luzes são acesas vagarosamente, uma a uma, com que com a ponta de seu cigarro. Chegara finalmente aos quarenta e dois anos. Magro, débil e com alguns problemas de saúde, mas sereno e maduro, como nunca havia se sentido antes.

Anda devagar, assovia e para a olhar o ambiente como quem busca alguma coisa que lhe falta. As ruas da Lapa começam aos poucos a encher-se de uma massa de gente frenética e ruidosa. Ele, silencioso, entra em um bar e se assenta. Passam-se as horas, os chopes, as pernas, as risadas do garçom.

Nesse mesmo lugar ele permanece imóvel. Em oposição ao ritmo e ao barulho da fervente boemia carioca de todos os bairros e idades. Ele abaixa a cabeça e rabisca um papel. Sem pressa e sem cuidado. Já no meio da madrugada, sai em caminhada deixando o papel sobre a mesa do bar.

Subitamente, para diante dos arcos e pensa em tudo. Política, a falta de emprego, as poucas oportunidades que teve, as conquistas presentes, as incertezas futuras e na crise hídrica. Enquanto o antigo aqueduto emoldura suas dúvidas. Sem bonde e sem suas antigas atribuições. Somente a moldura de uma história distante e despercebida.

Enquanto observa a construção, acaricia um gato e acende o último cigarro do maço, como quem se despede da noite e se prepara para o descanso. Assim, levanta mais uma vez os olhos aos arcos e como quem acorda ao som estridente do despertador, vê o vulto de um homem que se movimenta sobre eles, silencioso, porém muito agitado.

Percebendo o desespero e as intenções do homem, fez um gesto com a mão e deu um grito único, para que aquele descesse em segurança. Assustado e ignorando o apelo, o homem se abaixa, na tentativa de que seu gesto não fosse visto.

Ele sobe a rua com cuidado, fingindo afastar-se e, com cautela, chega ao lado do homem antes que ele cometa o ato insano e desesperado, próprio de quem sente demais em silêncio. Próprio de quem não suporta a dor e prefere a ela entregar-se.

Ele segura a mão do homem com cuidado e sorri. Aquele, com os olhos vermelhos, sem entender bem o gesto, se deixa ajudar. Descem os dois para um lugar seguro. Um “acalme-se” e uma mão decidida estendida prontamente, excederam em valor qualquer discurso e qualquer comemoração de aniversário. O papel que ele deixara sobre a mesa do bar dizia apenas: “Ame hoje”. Ele foi embora feliz. Havia sido fundamental para alguém e os arcos continuaram emoldurando paz.

Com um sorriso, entrou tranquilo no ônibus e se foi. O homem permaneceu na rua, grato e pensativo, por volta de trinta minutos. Sem mais interrupções, instalou-se novamente sobre os arcos e antes dos primeiros raios de sol lançou-se em sossego. O mesmo sossego de quem, crédulo e bondoso, foi feliz ao lhe estender a mão.