A CIDADE DA MINHA INFÂNCIA.= EC.
Há muito tempo desejava voltar á cidadezinha simpática onde vivi os primeiros anos de minha vida.Eu gostaria de ir de trem, viajar como viajava na minha infância, mas a linha férrea fora desativada dando lugar a uma rodovia onde o ônibus corria, corria e parecia nunca chegar lá.
Olhando distraída para a paisagem, cansada e enjoada da viagem monótona deixei que o meu pensamento voasse e deliciei-me me com as lembranças.
Na minha absurda fantasia sentia-me ansiosa por chegar logo e viver novamente os divertidos dias de minha infância, como se isso fosse possível!
A praça da matriz com o coreto tocando nas noites de sábado e domingo, a igreja onde fui batizada, fiz a minha primeira comunhão e, sobretudo as velhas casas grandes, com enormes quintais onde a criançada se reunia para brincar...
Eram famílias numerosas, meus pais, meus tios, os vizinhos, praticamente todos os moradores da cidade tinham no mínimo seis filhos e a criançada toda tinha liberdade de andar pelas ruas calçadas com pedregulhos com algumas poças de agua, entrar em todas as casas, brincar em todos os quintais...
Não precisávamos de nada mais para sermos felizes.
Mas não podíamos ficar toda nossa vida ali. Não havia escolas superiores, possibilidade de bons empregos e meus pais com seus nove filhos foram para a Cidade Grande onde as casas eram pequenas, os vizinhos não se conheciam e as crianças não podia andar a toa pela rua.
Mas aquele era o preço que tínhamos que pagar por um futuro mais promissor, uma formação superior, uma boa colocação.
O tempo passou rápido demais. Cresci, tornei-me adulta, envelheci e embora tivesse vontade de rever a cidadezinha de minha infância só agora pudera fazer a longa viagem até lá.
Quando o ônibus finalmente parou junto à plataforma da rodoviária fiquei perplexa. Seria mesmo esta a cidade?
Desci e fui andando devagar pela rua. Meu Deus! Onde eu estava? Não conseguia identificar nada ao meu redor, não tinha a mínima ideia de que lado da cidade eu estava.
Onde os pedregulhos da rua, as poças d’água os velhos casarões de janelas para a rua?
A minha volta só via prédios de apartamentos, muito semelhantes aos da Cidade Grande e o piso estava asfaltado, sem terra, sem poças d’água, sem pedregulhos.
O trânsito era intenso. Desejei ardentemente ver o carrinho vermelho do doutor Silas, o fordinho azul do seu Marcelino, único “carro de praça” da cidade, o caminhão de mudanças ou o carro do lixo, alguns dos poucos veículos que trafegavam pelas ruas naquele tempo.
Bobagem! Nada disso existia mais e eu comecei a me sentir como um ET perdido num planeta estranho.
Só quando avistei a Igreja consegui orientar-me. Continuava lá diante da praça maltratada, com arvores sem podar, grama pisada e bancos quebrados.
Tudo isso já havia no meu tempo, mas qual a criança que se importa com essas coisas?
Comecei a procurar a minha volta os pontos de referencia dos quais me lembrava, mas nada encontrei.
A sorveteria da esquina da minha casa não existia mais. No local havia um restaurante. Resolvi entrar, comer alguma coisa e tentar conversar com alguém, descobrir o paradeiro de meus amigos de meninice, mas ninguém me adiantou nada.
As pessoas não me davam atenção, olhavam-me com desconfiança, pois embora tão mudada continuava a ser a cidade do interior onde todos se conhecem e desconfiam dos estranhos.
Andei mais um pouco pelas ruas, passei pelas casas de parentes ou amigos das quais ainda me lembrava, mas estava tudo tão diferente que eu não saberia dizer se eram as mesmas casas reformadas ou outras construídas depois.
Mas, que importância tinha isso?
A minha infância ficara sepultada ali, assim como os pedregulhos da rua, as poças d’água e os casarões antigos.
Tomei o ônibus de volta sem qualquer emoção. Nada do que havia ali tinha a ver comigo.
E quando avistei ao longe as luzes da Cidade Grande compreendi que este agora é o meu mundo e é aqui que eu tenho que viver saboreando cada momento certa de que um dia isto também será passado.
Este texto faz parte do Exercício Criativo - A Cidade de Minha Infância
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