Talvez enxergue através do véu da saudade a minha pequena grande cidade ao pé da Serra da Canastra, banhada pelo Rio do Peixe...
As primeiras lembranças da cidade da minha infância é de quando vinha da roça a pé , correndo junto com os irmãos pela estradinha de terra. O vencedor era quem avistasse lá do alto do morro, as primeiras casas do outro lado do rio.
A antiga São Roque de Minas já dispunha de boas casas de comércio. A Casa Almeida vendia tecidos, confecções e enxovais. A Loja do seu Edgard, além de tecidos, comercializava utilidades domésticas, calçados e tudo para o povo da roça.
A Casa Totonho, a Mercearia do Neném Gabriel e a Mercearia do Zé Pedro Arreieiro eram os principais comércios de secos e molhados da cidade. Atendiam a toda população e era comum a caderneta com todos os fornecimentos marcados a tinta e geralmente pagos uma vez por mês. Havia também a Cooperativa Agropecuária de São Roque de Minas. Funcionava em um casarão, onde hoje é o bonito prédio do Sicoob Saromcred.
Aos domingos, batiam de porta em porta, os vendedores de galinhas, frangos, queijos e ovos caipira, trazidos da roça. Dentre eles estava meu avô Joãozinho. Ele vez em quando contava com minha ajuda e sempre retribuía meu trabalho com várias moedas que eu gastava comprando os deliciosos "Lanche Mirabel", e "rosca de queijo", só encontrados na Panificadora Casca Danta, de propriedade de Dona Edna e seu Antonio Miguel.
Lembro-me também de figuras folclóricas da cidade. Dentre elas o Zé Tampinha". Muito antes de se falar em reciclagem, coleta seletiva, ele saia todo dia às ruas catando tampinhas de garrafas e outros itens para sua coleção particular. A "Manteiga Frita" um velhinha moradora do asilo, saía de casa em casa pedindo um pouquinho de banha de porco para fazer a janta. Ela também aproveitava essa manteiga para untar e acalmar seus cabelos cacheados.
Um personagem inesquecível, o saudoso senhor Olivaldo. Era vicentino, uma das pessoas mais bem humoradas que conheci. Aos domingos, saía recolhendo os donativos para a Conferência e quando chegava dizia: "Esmola para São Vicente, senão lhe cairão os dentes"! Criança cismada, eu nunca me arrisquei. Sempre tinha uma moedinha por perto. Coincidência ou não, suas filhas são grandes amigas. Uma delas foi minha dentista preferida por muitos anos.
Sorte minha que vivi essas experiências incríveis. Para compensar o mês enfumaçado de agosto, havia além dos ipês, a tão esperada Festa do Padroeiro. Toda a cidade ficava em polvorosa um mês antes. Era como se fosse um divisor de águas. Os acontecimentos eram marcados ou lembrados como: antes ou depois da Festa de Agosto. Perder uma delas era algo inconcebível... As famílias se preparavam com antecedência para receber os parentes de longe. Era um fartura com muitos doces e várias fornadas de biscoitos, pães de queijo, broas e bolos.
No grande dia havia foguetório, fogos de artifício, barraquinhas com comidas típicas, missas e procissão. Sempre havia uma banda de música tocando na pracinha. O povo se reunia. Toda a cidade queria ver e ouvir.
O Palanque improvisado ficava cheio de autoridades civis, militares e eclesiásticas. Rostos suados e instrumentos de metal brilhando à distancia. A Banda seguia, seus acordes ecoando nas ruas da pequena cidade de minha infância. Era sempre um grande dia!
Hoje, ao remexer algumas lembranças meus pensamentos foram invadidos. Revivi os antigos acontecimentos, quintais, brincadeiras, cores, aromas. Que saudade!
Em São Roque havia poucos carros. As ruas quase todas de terra. Ia-se de um lado a outro da cidade sempre a pé. Só algumas pessoas mais bem de vida possuíam Jipes, Fuscas, as Pick-ups Ford F-75, mas eram bem poucos. Para ir a outra cidade havia uma Jardineira que fazia o transporte de passageiros. Era uma espécie de ônibus em tamanho reduzido. Lembro-me de ter feito duas viagens neste veículo até a cidade de Bambuí. Passei mal demais da conta. Era bicho da roça e nunca havia viajado.
A vida era calma e o trânsito nem existia. O barulho de um carro chegava a ser música para os ouvidos das crianças. Íamos correndo para a rua quando ouvíamos um carro passar. Depois de alguns anos, meu pai ajuntou dinheiro e comprou seu primeiro veículo. Era uma Rural muito antiga, mas para nós foi a maior festa. O ruim é que ela quebrava toda vez que saíamos a passear.
Nossa horta era grande e mamãe além de costurar, fazer doces e quitandas para vender, ainda arrumava tempo de cultivar uma infinidade de verduras e ervas de chá . Quando um filho ficava doente, ela nos mandava à horta para buscar um punhado das ervas que se transformavam num chá ou elixir milagroso.
Subíamos em árvores, telhados, jogávamos queimada, brincávamos pique pega na rua, inventávamos brinquedos, pois não havia dinheiro para comprar e muito menos existia a variedade que se tem hoje.
Brincadeiras na rua e nos quintais alheios, joelhos ralados, dedões sem unha faziam parte do nosso dia a dia. O pior era suportar o algodão molhado em vinagre com sal, álcool com arnica: uma infusão de cor verde com folhas e álcool que Vó Benvinda preparava e passava em tudo: arranhões, picadas de marimbondo, galo na cabeça e joelhos esfolados. Só de lembrar sinto o cheiro e o gosto salgado do choro.
Além das serras, cachoeiras e rios, inúmeros tesouros descobri nesta cidade! Tudo que foi passou por aqui, tanto ficou, mas ainda sei que há muito por vir.
*São Roque de Minas/ março 2015
Este texto faz parte do Exercício Criativo - A Cidade de Minha Infância
Saiba mais, conheça os outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/acidadedaminhainfancia.htm
As primeiras lembranças da cidade da minha infância é de quando vinha da roça a pé , correndo junto com os irmãos pela estradinha de terra. O vencedor era quem avistasse lá do alto do morro, as primeiras casas do outro lado do rio.
A antiga São Roque de Minas já dispunha de boas casas de comércio. A Casa Almeida vendia tecidos, confecções e enxovais. A Loja do seu Edgard, além de tecidos, comercializava utilidades domésticas, calçados e tudo para o povo da roça.
A Casa Totonho, a Mercearia do Neném Gabriel e a Mercearia do Zé Pedro Arreieiro eram os principais comércios de secos e molhados da cidade. Atendiam a toda população e era comum a caderneta com todos os fornecimentos marcados a tinta e geralmente pagos uma vez por mês. Havia também a Cooperativa Agropecuária de São Roque de Minas. Funcionava em um casarão, onde hoje é o bonito prédio do Sicoob Saromcred.
Aos domingos, batiam de porta em porta, os vendedores de galinhas, frangos, queijos e ovos caipira, trazidos da roça. Dentre eles estava meu avô Joãozinho. Ele vez em quando contava com minha ajuda e sempre retribuía meu trabalho com várias moedas que eu gastava comprando os deliciosos "Lanche Mirabel", e "rosca de queijo", só encontrados na Panificadora Casca Danta, de propriedade de Dona Edna e seu Antonio Miguel.
Lembro-me também de figuras folclóricas da cidade. Dentre elas o Zé Tampinha". Muito antes de se falar em reciclagem, coleta seletiva, ele saia todo dia às ruas catando tampinhas de garrafas e outros itens para sua coleção particular. A "Manteiga Frita" um velhinha moradora do asilo, saía de casa em casa pedindo um pouquinho de banha de porco para fazer a janta. Ela também aproveitava essa manteiga para untar e acalmar seus cabelos cacheados.
Um personagem inesquecível, o saudoso senhor Olivaldo. Era vicentino, uma das pessoas mais bem humoradas que conheci. Aos domingos, saía recolhendo os donativos para a Conferência e quando chegava dizia: "Esmola para São Vicente, senão lhe cairão os dentes"! Criança cismada, eu nunca me arrisquei. Sempre tinha uma moedinha por perto. Coincidência ou não, suas filhas são grandes amigas. Uma delas foi minha dentista preferida por muitos anos.
Sorte minha que vivi essas experiências incríveis. Para compensar o mês enfumaçado de agosto, havia além dos ipês, a tão esperada Festa do Padroeiro. Toda a cidade ficava em polvorosa um mês antes. Era como se fosse um divisor de águas. Os acontecimentos eram marcados ou lembrados como: antes ou depois da Festa de Agosto. Perder uma delas era algo inconcebível... As famílias se preparavam com antecedência para receber os parentes de longe. Era um fartura com muitos doces e várias fornadas de biscoitos, pães de queijo, broas e bolos.
No grande dia havia foguetório, fogos de artifício, barraquinhas com comidas típicas, missas e procissão. Sempre havia uma banda de música tocando na pracinha. O povo se reunia. Toda a cidade queria ver e ouvir.
O Palanque improvisado ficava cheio de autoridades civis, militares e eclesiásticas. Rostos suados e instrumentos de metal brilhando à distancia. A Banda seguia, seus acordes ecoando nas ruas da pequena cidade de minha infância. Era sempre um grande dia!
Hoje, ao remexer algumas lembranças meus pensamentos foram invadidos. Revivi os antigos acontecimentos, quintais, brincadeiras, cores, aromas. Que saudade!
Em São Roque havia poucos carros. As ruas quase todas de terra. Ia-se de um lado a outro da cidade sempre a pé. Só algumas pessoas mais bem de vida possuíam Jipes, Fuscas, as Pick-ups Ford F-75, mas eram bem poucos. Para ir a outra cidade havia uma Jardineira que fazia o transporte de passageiros. Era uma espécie de ônibus em tamanho reduzido. Lembro-me de ter feito duas viagens neste veículo até a cidade de Bambuí. Passei mal demais da conta. Era bicho da roça e nunca havia viajado.
A vida era calma e o trânsito nem existia. O barulho de um carro chegava a ser música para os ouvidos das crianças. Íamos correndo para a rua quando ouvíamos um carro passar. Depois de alguns anos, meu pai ajuntou dinheiro e comprou seu primeiro veículo. Era uma Rural muito antiga, mas para nós foi a maior festa. O ruim é que ela quebrava toda vez que saíamos a passear.
Nossa horta era grande e mamãe além de costurar, fazer doces e quitandas para vender, ainda arrumava tempo de cultivar uma infinidade de verduras e ervas de chá . Quando um filho ficava doente, ela nos mandava à horta para buscar um punhado das ervas que se transformavam num chá ou elixir milagroso.
Subíamos em árvores, telhados, jogávamos queimada, brincávamos pique pega na rua, inventávamos brinquedos, pois não havia dinheiro para comprar e muito menos existia a variedade que se tem hoje.
Brincadeiras na rua e nos quintais alheios, joelhos ralados, dedões sem unha faziam parte do nosso dia a dia. O pior era suportar o algodão molhado em vinagre com sal, álcool com arnica: uma infusão de cor verde com folhas e álcool que Vó Benvinda preparava e passava em tudo: arranhões, picadas de marimbondo, galo na cabeça e joelhos esfolados. Só de lembrar sinto o cheiro e o gosto salgado do choro.
Além das serras, cachoeiras e rios, inúmeros tesouros descobri nesta cidade! Tudo que foi passou por aqui, tanto ficou, mas ainda sei que há muito por vir.
*São Roque de Minas/ março 2015
Este texto faz parte do Exercício Criativo - A Cidade de Minha Infância
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