Vestido Amarelo

Vestido amarelo sol. Não passaria desapercebida por aquele recinto. Alcinhas finas prendendo os seios, coxas expostas na medida exata para não ser vulgar, unhas dos pés e mãos pintadas de ouro para combinar, salto alto e uma cara de levada. Virava o copo de cerveja numa maestria feminina ao passo que se entregava em risos aos seus amigos. Todos fingindo um carinho fraternal. Existia implícito aquela lascívia masculina por trás de cada toque no braço ou abraço cordial. Os olhos de alguns conhecidos e amigos pousavam de relance sobre as coxas brancas.

A garota de vestido amarelo esboçava sorrisos e gritinhos de felicidades com as piadas, com as conversas. Para qualquer admirador a distância, se poderia sugerir que ali se encontrava uma mulher feliz, realizada, entusiasmada. Ainda assim, a cada mínimo intervalo entre as falas e os brindes se via aquele olhar baixo e reticente. Não durava mais do que um segundo. Entretanto, dizia um mundo de coisas e faria qualquer expectador mais atento imaginar histórias tristes e repleta de penúrias.

A cada observação feita na mesa, o olhar não acompanhava o receptor. Os olhos vagueavam por todo o espaço procurando se sabe lá o quê. Movimentos rápidos e não notados por todos ditos próximos. Precisaria diminuir a velocidade com que o tempo caminha para notar ricamente os detalhes presente num ligeiro franzir de testa. Os amigos não notariam essas coisas, estavam muito envolvidos com outros aspectos da beleza da moça.

Enquanto isso, um admirador próximo, contudo distante mentalmente, vigiava aquele sorriso e dava por encerrado sua noite. Talvez ela o notasse com sua visão periférica, mesmo assim fingiria não ver, porque assim manda a sociedade e os bons costumes. Talvez, para ele, observar aquela imagem fosse a tradução mais fiel de uma noite perfeita, sua mesa repleta de pessoas se tornava vazia, o tempo diminuía seu ritmo e ele podia apreciar de maneira privilegiada aquela dança dos deuses que a mulher de vestido amarelo lhe proporcionava.

Ele acabara de estabelecer um elo invisível. Sua visão se tornava cada vez mais escrava dos sorrisos convencionais, mas adorava, principalmente, o que existia nas entrelinhas. Sentia-se motivado a compreender o que poderia haver por trás daquela sensação de estar num momento único de epifania. O som do ambiente que outrora era alto e enjoativo se tornou apenas um sussurro distante, onde se misturava a conversa sem graça das várias pessoas no local. Todos bebiam, dançavam, cantavam e para o homem havia se criado um mundo particular onde só existiam duas personagens.

Ao longo dos seus vinte e cinco anos de vida parecia que nunca tinha de fato enxergado. Até aquele momento era cego e agora vislumbrava a vida à sua frente, vestida num vestidinho amarelo, com sorriso de porcelana, branca como a neve e de longe podia até imaginar o cheiro do perfume de flores. A mulher, se o via, fingia não o ver. Ele não ligava, não importava com toques, abraços, proximidade, se importava, simplesmente, em observar, sentir, roubar um pouco daquela imagem para guardar como fotografia dentro de sua cabeça.

A mulher continuava entretendo-se com seus “amigos”. Também abstraía-se do lugar. De maneira oposta ao homem, ela não se isolava do ambiente, se misturava à música, às pessoas, às conversas. Conquanto se refugiasse por segundos em seu íntimo voltava rápido a unidade que tinha se formado com o ambiente. Fazia uso de todos os seus sentidos e se mesclava ao ar, ao som, ao cheiro.

Duas almas prontas para o amor mais sublime em caminhos totalmente opostos. Uma se retraindo ao mais singular de seus sentimentos, outra se expandido ao mais plural de seus desejos. Um com uma abstração tão grande a ponto de desaparecer em meio à multidão, outra tão expansiva a ponto de se fundir com o meio. Ambas se visitando e se encontrando por segundos na interseção rara de suas vontades e pelo cruzamentos rápidos e incondicionados de seus olhares; ambos se amando secretamente, se vendo, se atacando, se encontrando casualmente nos espaços incontáveis do tempo.

No outro dia estarão os dois se perguntando o porquê do mundo ser tão vazio e frio. Ambos postando em redes sociais coisas sobre sentimentos, desilusões, músicas românticas, desabafos apaixonados para pessoas que nunca existiram de fato. Estarão a procura de companheiros fiéis, de amantes-amigos, de cúmplices. Negar-se-ão até o próximo encontro (caso exista), onde, novamente, amar-se-ão em segredo. Encontrar-se-ão nos abismos de cada segundo, para depois se procurarem novamente num círculo – óbvio – infindo e sem sentido.

Renato W Lima
Enviado por Renato W Lima em 10/03/2015
Reeditado em 24/10/2017
Código do texto: T5164916
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