VIVENDO NO QUARTEL: UMA INFÂNCIA MARAVILHOSA

VIVENDO NO QUARTEL: UMA INFÂNCIA MARAVILHOSA

Meu pai era oficial do exército e desde nascido eu morava nas instalações da Fortaleza de Itaipú, na Praia Grande, na época pertencente ao município de São Vicente. Revendo minhas memórias, considero que era como morar em um paraíso. Meu pai saia quase todos os dias para pescar. Era especialista em garoupas. Sempre voltava com uma ou duas grandes. Ás vêzes pescava uma maior. Nos tinhamos uma foto dele igual àquela da Emulsão de Scott: com uma garoupa enorme nas costas, fazendo pose, e o rabo do peixe encostava no chão. Antes que o dia amanhecesse, saia de casa e ia a pé até o costão próximo de onde morávamos. Seis e meia da manhã, voltava com sua pesca, tomava um banho, vestia a farda e ia para o quartel. Os oficiais tinham direito de morar em casas amplas, arejadas, invariavelmente com grandes quintais e junto as encostas dos morros, que possuiam abundante vegetação da mata atlântica. Havia muita goiabeira, pitangueira, amoreira, bananeiras, abricó, coquinho verde, côco brejaúva, cana de açúcar e uma infinidade de espécies de verduras plantadas nas hortas cuidadas por meus avós. Uma infinidade de passarinhos, em gaiolas ou nas árvores: curió, canário belga, canário da terra, pintassilgo, coleirinha, bico de lacre, sanhaço, sábia laranjeira, sábia poca, tié sangue. Sem contar os beija-flores, pardais, lavadeiras, tiés comum, bem tevís, pombas rôlas, que eram um tipo de praga. A praia era exclusiva para as famílias dos oficiais. Sempre tinha uma carne de caça: paca, cotia, tatú e até gambas, que exigiam conhecimento e perícia na hora de limpar para o cheiro não contaminar a carne. Galinha, era só apanhar no galinheiro enorme e era uma farra: três ou quatro pessoas sendo dribladas pelas galinhas. Até bode e cabras a gente criava. Quando nasciam os cabritinhos era uma alucinação: quer coisa mais linda que um bêbê cabrito? Para nós, então crianças, era um maravilhoso. Muita fruta, bichos, e, lógico, brinquedos, que hoje são toscos comparados aos atuais. Geladeira, só rico tinha. Os peixes eram conservados no sal. Havia caixotes de sardinhas salgadas, que eram usadas como isca. O fogão era a lenha, a gás nem pensar, só viríamos a ter anos depois. Margarina era novidade, a gente só usava manteiga.

Eu ainda não estava em idade escolar, tinha um vidão. Adorava ir ao armazém do sr. Figueiroa, quando minha mãe ia fazer compras. A melhor coisa do mundo era comer paçoca com guaraná gelado. Era o máximo ter uma guaraná só para mim. Eu sentava em uma cadeira com a garrafa de guaraná em uma mão e a paçoca na outra, enquanto minha mãe fazia as compras. Foi uma infância mágica.

De repente, meu pai foi transferido para Santo Ângelo, Rio Grande do Sul. Tivemos que nos mudar e abandonar nosso paraíso para sempre. Mas tenho muitas estórias para contar dessa época.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 28/01/2015
Reeditado em 03/12/2015
Código do texto: T5116661
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