Seguir viagem... sem esperança alguma de abrir mão da bagagem.

De vez em quando somos massacrados pela maldita esperança de deixar a velha condição de ser só; sozinho, somente “só”.

É triste quando estamos habituados a não esperar, e de repente, como que por um ato divino, surge a esperança de encontrar pés cansados como os seus, e com isso, compartilhar juntos a velha estrada monótona, tediosa e chata, tudo isso em excesso quando se vai sozinho.

Engraçado, nesses momentos de “esperança” o andar não machuca tanto, o tédio deixa de consumir a rotina, os minutos deixam de girar pelo pátio do relógio sem causar espanto, e aquele vazio preto e branco ganha cor, ah “esperança” por que aparecer logo agora que já estava consolado pela finitude vazia de cor (nem preto, nem branco)?

O que mais machuca não é o fato de permanecer só, mas a ilusória ideia de que será por pouco tempo, isso dói demais, imagina um andarilho que já desgastou o seu único par de sapatos, e devido a necessidade de andar, precisa continuar mesmo com os pés descalços, e do nada, aparece alguém com um desenho em 3D de um par de sapatos novíssimos e resistentes, para o nerd da tecnologia isso é diversão, mas para o andarilho que carrega as marcas da dor, tal vestígio poderá aliviar momentaneamente a dor, porém quando a realidade vier à tona novamente a tristeza voltará em dobro, e nada pode ser pior que a tristeza ocasionada pela fugacidade da ausência da própria tristeza devido a meros devaneios de uma possível alegria, tristeza decorrente de tristeza é suportável, mas tristeza decorrente da esperança machuca a própria alma.

É como viver esperando a ausência da consciência do próprio viver, um conselho amigo, jamais busque a esperança, pois está nos traz à consciência uma concepção de vida futura, como sinto falta dos momentos em que vivia sem me importar com o viver, mas daí veio ela, isso, a esperança, e destruíra os meus castelos, direcionando o meu olhar para o viver, fazendo com que eu me privasse da própria vida. Ah lástima, queria eu ter vida sem me importar com o viver!

Agora sigo não mais com as marcas dos pés sujos de sangue, para tais marcas há remédios, mas prossigo com o coração doendo devido a ferida aberta pela esperança de não sofrer em vão, ou seja, o sofrimento é condição, e sofrer sem sentido é sofrer duas vezes.

Sinto falta da falta que me fazia a ausência da presença dela, agora, com a esperança desmascarada, sinto a presença fulminante da ausência de tudo aquilo que antes doía menos, ou seja, a pós esperança pisoteia o coração iludido.

Melhor a dor da falta, que a falta da dor devido a esperança, pois quando ela, isso, a esperança, se vai, os destroços são incomensuráveis.

Sugiro a conformidade, não o conformismo, cuidado com a falsa ideia de igualdade verbal, conformidade é harmonia, conformismo é passividade, o andarilho dos pés descalços canta junto com as pedras que ele pisa, caminha em harmonia existencial, enquanto que o conformista senta na calçada e espera a divindade lhe trazer novos sapatos, e se possível trazer o próprio lugar que se pretende ir. Andar em conformidade é não ter esperança de abandonar a bagagem, mas carrega-la sem ansiedade alguma, ansiedade é coisa de gente que tem esperança, não caia nessa, ansiedade adoece o coração.

Pensando bem não me ouça, ouça apenas as minhas palavras, elas dizem aquilo que guardo no bolso do coração.

Tenha esperança, mas depois que ela se for, não diga que eu não avisei.

Continuo a andar, esperançoso em encontrar a vida e o viver caminhando juntos.

Espero sem a necessidade de ter esperança. Já que a esperança é um remédio que recorremos para dormir em paz.

Esperançar é um modo de andar em conformidade com a existência.

Ter esperança é um modo de esperar que a existência se conforme ao querer.

Entre o esperançar e a esperança existem os verbos.

Ando só. Nem sei porque.

Luciano Cavalcante
Enviado por Luciano Cavalcante em 25/11/2014
Reeditado em 25/11/2014
Código do texto: T5048747
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