DESPEDIDA

Já da rua olhando para o grande casarão do abrigo onde ele se internara, ainda pude ver aquela mãozinha branca à frente do rosto magro me acenando um adeus. A distancia não pude ver a lágrima que, certamente rolava em seu rosto a cada despedida.

Eu havia prometido, como sempre fazia, voltar no domingo seguinte para vê-lo. Sabia que uma dessas vezes talvez fosse a última, não me levasse Deus antes, em que ele estaria à janela de seu quarto com seus cabelos brancos bem penteados e ansioso pela minha chegada. Eu nunca deixava de visitá-lo. Éramos grandes amigos apesar de nossa grande diferença de idade.

Ele perdera a esposa, não tinha filhos não tinha parentes, só lhe restara a mim. Nossa amizade era o único elo que o prendia à vida.

Seu olhar quase apagado pela catarata, ganhava um brilho diferente no opaco dos seus olhos quando ele me via chegar.

Adorava conversar comigo, ouvir as novidades da velha praça em que sentávamos, saber se o cãozinho daquela senhora gorda ainda fazia xixi nas pernas dos frequentadores saía balançando a cauda, como se debochando e depois ia aconchegar-se a seus pés. Se aquele tipo meio louco ainda fazia seus discursos desconexos no meio da praça, ora louvando a Deus ora O maldizendo.

Eu sempre respondia que sim, fazia tempo que não via o cãozinho e sua dona, e tampouco o infeliz orador, mas não queria deixá-lo triste. Queria que ele pensasse que nada mudara depois que ele teve que abandonar seu apartamento para viver no abrigo onde podia contar com a assistência que eu não lhe podia oferecer por não me sobrar tempo sequer para cuidar de minha família.

Queria que ele sentisse que a vida não havia parado, que tudo não se resumia às paredes frias do abrigo nem aos olhares mortiços dos outros anciãos que lhe faziam companhia naquela estação onde se aguarda o ultimo trem.

Ele sorria com minhas brincadeiras. Eu inventava noticias levava e lia jornais para ele. O aparelho de TV do qual ele só podia ouvir o som, não preenchia o vazio que a distancia do lugar onde vivera tantos anos deixara.

Lembro-me que em uma dessas visitas, ele me confessara a saudade que sentia de si mesmo, do jovem corajoso combatente que fora na segunda guerra, do homem elegante que vestia linho e casimira e com seu jeito de conquistador conhecera a mulher com quem fora casado mais de cinquenta anos, que lhe dera muita felicidade, mas não lhe dera um filho, mas que isso agora não o importava “pois ele tinha a mim”.

No domingo seguinte voltei para nova visita, levava frutas, revistas de mulheres peladas que ele tanto gostava de ver, mais com as pontas dos dedos que com os olhos e com a cabeça cheia de novas histórias.

Estranhei não vê-lo à janela como de costume, mas podia ser que ele estivesse em outro lugar no banheiro, por exemplo, já que urinava constantemente. Terminei de percorrer a aleia que levava ao casarão, entrei, dobrei o corredor de seu quarto e quando cheguei à porta, seu corpo jazia coberto por um lençol branco, mas sua mão direita pendia da cama.

Ele me deixava seu último adeus.

Jogon Santos
Enviado por Jogon Santos em 21/11/2014
Reeditado em 22/11/2014
Código do texto: T5044017
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