SER URBANO CARIOCA

Cinco horas da manhã e lá vai ele com sua mochila às costas, apressado à estação do metrô. Não poderia ser mais tarde ou ele corre o risco, de depois de ser muitas vezes obstruído pela porta do trem entupido de gente espremida fungando e respirando nas caras e cangotes uns dos outros, acabar chegando tarde ao escritório onde o expediente só começará, realmente às oito.

Chega à estação e por sua sorte o trem também, justo no momento que ele acaba de sair da escada rolante. Corre apressado, apertando-se entre os outros passageiros, que também tentam embarcar e finalmente consegue entrar no vagão. Sua mochila é um estorvo, para ele e para os outros, mas ele não está nem aí. À saída do trabalho a faculdade o espera.

Logo na entrada o pequena fecho do zíper se prende ao vestido de malha da bela morena que, infelizmente, está às suas costas. Ele, sem se dar conta, gira o corpo procurando encontrar uma posição melhor e ao fazer o movimento, sua mochila traz junto um bom pedaço do vestido da mulher preso ao ziper. Ela sente o traiçoeiro puxão, passa a mão pelas costas e descobre o que aconteceu. Furiosa solta um – Que merda! - Um senhor, também apertado entre os dois faz a gentileza de soltar o que ainda resta preso na mochila.

Inicia-se um bate boca, ele se desculpa, mas ela que estava estreando o vestido, não aceita e continua a xinga-lo. O trem para na próxima estação e a discussão é atropelada pela turba que entra empurrando todos. E ele acaba, sem saber como, no meio do vagão. Livre dos xingamentos, mas distante da porta por onde terá que desembarcar. Isso não o preocupa. Grande parte da “boiada” vai descer no centro onde ele também o fará.

Daí em diante, embora o trem pare e alguns consigam sair com dificuldade, como para cada um que desceu subiram pelo menos quatro, claro que nas outras estações os passageiros que aguardam para embarcar nem se aventuram.

Assim, às seis horas como previra, já está subindo as escadas da estação Carioca, onde costuma tomar seu café da manhã. Sentar à discreta sombra de uma árvore no largo em frente e aproveitar para estudar um pouco. Mal o faz e um mendigo daqueles que não sabem o que é água nem para dentro nem por fora já há algum tempo senta-se a seu lado e com os olhos vermelhos de lágrimas etílicas, Pede-lhe com voz súplice:

- Ô abençoado, me dá um real, pra tomar um café!

Ele atende ao pedido, muito mais para livrar-se do cheiro e da presença do maltrapilho, do que pelo seu grande coração. O sujeito agradece cheio de mesuras e se vai. Ele permanece ali, olhos grudados no livro.

Aos poucos vão chegando os barraqueiros e armando suas barracas, acabam com o silêncio e o aconchego da manhã, o sino do mosteiro anuncia sete horas. O movimento começa a aumentar, o Metrô continua expelindo gente por suas bocas. O sol amedrontado do inverno começa a mostrar um pouco mais de sua cara entre a neblina e ilumina parte do jardim.

Ele já não se sente à vontade para continuar estudando. Levanta-se, recoloca a mochila às costas. Vai até a banca de jornais olhar as notícias. O Flamengo perdera na noite anterior e um pequeno grupo esticando o pescoço lê com alegria a manchete anunciando a derrota. Ele também dá um risinho de contentamento, mas logo seu olhar se desvia e pousa nas pernas generosamente oferecidas pela mini saia da loura que vem em sua direção, apressada e passando a mão nos cabelos. Lança-lhe um olhar 57. Ele percebe, discretamente a segue. Ela diminui o caminhar, mas já está perto de atravessar a rua, ele tenta segui-la, mas um automóvel aproveitando o sinal amarelo se interpõe e passa. Ele então apressado atravessa e de repente à sua frente: BUMMMM!

A tampa de um bueiro sobe do chão, como se cuspida do inferno, e dele saem labaredas. Ele é atirado longe.

Acorda em uma maca na emergência de um hospital público cercado de acadêmicos, que nem ainda tinham certeza se ele estava vivo. Abre os olhos, para alegria dos ”para-quando-médicos”? Respira aliviado em saber-se vivo e pensa : Quem teria soltado aquela bomba, mas nunca saberia entre LIGHT, CEG e a PREFEITURA, quem pagaria por seu pé esfacelado.

Depois descobriria que ninguém.

Dezembro/2010

Baseada em fato real.

Jogon Santos
Enviado por Jogon Santos em 14/11/2014
Reeditado em 19/05/2015
Código do texto: T5034735
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