O Amor Não Tira Férias

Esse é o título de um filme que assisti na TV, há alguns dias, mas que poderia servir para a vida de qualquer criatura humana.

Eu sou um sonhador, desde o dia em que comecei a entender um pouco da vida, como coisas de infância, meu primeiro Natal do qual me lembro, em 1940, da minha bola vermelha que a metade era verde, dos meus primeiros olhares a algumas meninas no 5º Grupo Escolar, ali pelos meus 11 anos, como foi com a Áurea, menina do outro 4º Ano, nada sério pois ela nunca olhou para mim ou me disse alguma coisa. Mas para esse amor platônico da infância fiz até uma poesia, depois de adulto, dedicada a ela que nunca mais eu vi. Ela deve ter ido embora de Campinas. Não foi nada além de um sonho, até gostoso de recordar.

Tinha também a Sônia, que era muito bonita, e éramos muito amigos. Amizade pura que saiu da infância e adentrou nossa juventude. Sempre fomos amigos sinceros. Eu gostava de sua franqueza. Com muitos rapazes, disputava o seu olhar.

Um dia, ao ir jogar bochas em Valinhos com a equipe do Bar Floresta, troquei algumas palavras com a Vilma, uma garota de lá. E depois dos jogos eu fiquei onde muitos amigos meus que tinham namoradas em Valinhos ficavam, na Rua Principal, local onde sempre havia muitos casais passeando e a Vilma foi a primeira de encontros na Rua Principal.

Depois foi a Júlia, a Dalva, a Vera Lúcia, a Antônia, a Cecília.

Em Rocinha também tive um "flerte" com a Sueli, sempre perto de outros namorados. Devo dizer que em Rocinha, hoje Vinhedo, o namoro era mais curto devido aos horários dos trens. Às 21:00 horas ele passava lá. Era o mesmo que eu tomava lá em Valinhos, onde passava às 21:15 horas.

Mas ao chegar aos meus 21 anos, eu entrei na carreira de locomotivas da Cia Mogiana de Estradas de Ferro. Um dos meus sonhos era ser maquinista. Objetivo que depois de muita luta e dedicação pude atingir. Digo a todos que ser maquinista não é para qualquer um. Temos de abrir mão de várias coisas. E algumas dessas coisas eram os meus passeios a Valinhos e a Rocinha. Tinha poucas folgas e quase nunca aos domingos.

Nos meus 30 anos de carreira de locomotivas eu posso contar quantos Natais e dias Primeiro de Ano passei em casa. Mas sempre estava feliz, pois fazia o que gostava de fazer.

Por isso quase não via a Sônia. Mas em uma folga num sábado fui até a Igreja de São José, na Vila Industrial, em Campinas, onde estava havendo uma quermesse. Eu estava distraído, conversando com meus amigos, quando apareceu a Sônia. Ela me pediu para que a acompanhasse até a porta da Igreja e lá, ela que sempre foi muito franca e sincera, me disse que o Durval, um moço que morava nas imediações do Jardim do Leme (hoje jardins do Teatro José de Castro Mendes) queria namorá-la. E a Sônia me disse; “Você que sempre foi meu amigo e confidente poderia me orientar? Eu tenho 25 anos e ele tem 30. Ele já me propôs até casamento. Ele é um moço muito bom, só que eu não gosto dele. O que você poderia me dizer?”.

Ai eu lhe falei, com toda a autoridade de meus 22 anos: “Seja franca com ele e diga-lhe que, infelizmente você não acha que serão felizes juntos. E diga-lhe que o seu verdadeiro amor ainda não apareceu, para uma união definitiva”. Ainda falei que a honestidade, às vezes, dói, mas não deixa marcas profundas.

Então a Sônia me abraçou e me disse; “Você sempre será uma pessoa especial na minha vida”.

Esse encontro foi quase uma despedida. Só fui reencontrá-la alguns anos depois. E nesse tempo eu só trabalhava e tive alguns encontros com uma moça, da cidade de Casa Branca. Mas era sempre a mesma coisa: depois de conversar com a moça umas 3 vezes vinham o pai e o irmão e me diziam: “O senhor está namorando a Ester. Se você tiver boas intenções pode prosseguir o namoro, mas lá em casa. Senão o namoro deve parar por aqui. Vocês, das carreiras de locomotivas, têm a fama muito ruim”.

Em Ribeirão Preto foi a mesma coisa com a Luiza. Depois de alguns encontros o pai da moça veio até mim e disse que se eu quisesse namorar sua filha única, teria que ser em sua casa.

Ai eu percebi que o meu amor verdadeiro estava a caminho. Num dia, uma moça muito bonita passou por mim e me cumprimentou, como sempre, e eu respondi ao seu cumprimento. E eu disse em voz alta ao meu amigo João que estava ao meu lado: “No dia em que essa moça olhar para mim eu a pedirei em casamento”.

Essa moça era a Lucy, que morava perto de minha casa, na Rua Pascoal Celestino Soares. Por acaso nós nos encontramos na cidade esperando o ônibus para vir para a Vila Industrial. Então a Lucy me perguntou se era verdade o que eu havia dito ao meu amigo naquele dia. Eu lhe disse que era verdade, mas estando perto dela eu achei que estava sendo muito abusado em fazer uma proposta daquelas a uma moça que mais parecia uma fada, que estava a quilômetros de distância á frente de todas as moças que eu havia conhecido.

Fiquei pensando quem eu era para querer me casar com uma deusa. Então, acabei por lhe dizer:” Se você quiser, neste momento eu para lhe ofertar só tenho o meu amor e uma promessa de ser sempre um companheiro humilde e fiel. Sou apenas um foguista da Cia Mogiana”.

Então a Lucy, com muita simpatia, me disse: ”O seu trabalho nada tem de errado. O meu falecido pai foi maquinista da Cia Mogiana, também. Apenas gostaria que você entendesse que eu não tenho mais meus pais e não poderemos namorar por muito tempo”.

Para simplificar, nós nos casamos dali há 6 meses na Igreja de Santa Catarina. Naquele dia a igreja deve ter batido recorde de pessoas que gostavam de assistir a casamentos. O Padre Benedito Luis Pessoto, que celebrou nosso casamento, me disse depois, muito discretamente: “a sua responsabilidade é muito grande, meu filho. Você já percebeu que está casando com uma Princesa?” E era verdade.

Passado mais algum tempo eu encontrei a Sônia que ia embarcar no trem em que eu era foguista. Eu estava fazendo a revisão dos freios do trem. Foi quando ouvi a voz da Sônia. Com aquela sinceridade de sempre ela me disse: “ Laércio, eu estava pronta para xingar você por ter se casado com alguma italianinha polenteira, com um pano horrível amarrado à cabeça e disposta a ter uns 10 filhos, grosseira, com pouca instrução. Mas num dia em que eu a vi com você nas Lojas Americanas e você havia se afastado, eu fui até perto dela e pensava comigo mesma: essa mulher não é deste mundo. Ela é uma fada. Que luz, que suavidade, que perfume natural. Que paz, com uma educação. Enfim, um amor de mulher. Ela me tratou como se me conhecesse há muito tempo. Você teve muitas namoradas bonitas e foi se casar com uma deusa. Como é que eu poderia competir com ela?”.

Então agradeci as palavras da Sônia e lhe disse: “Você sempre foi a melhor amiga que eu tive. Você também irá encontrar o seu Príncipe encantado”.

Soube depois, por uns amigos que também gostavam dela, que a Sônia havia se casado com um rapaz muito bom estudante de medicina, na cidade de São Paulo.

Passados alguns anos, quando eu ia a passeio a São Paulo, ao entrar no carro determinado à 1ª Classe, vi que pelos cabelos, a mulher que estava sentada ali só poderia ser a Sônia. E ao passar pelo seu banco, a procura de um banco vazio, senti que uma mão me puxou.

Ao me virar vi que, de fato, era a Sônia, que me disse: “Não reconhece mais os amigos?”. Então ela me apresentou ao seu marido e me mostrou um menino de cerca de 1 ano e meio. Seu marido era um rapaz muito simpático que era médico. Valter era o seu nome. E o menininho chamava-se Luiz. Depois de algumas prosas a Sônia me disse que eu havia lhe falado do príncipe encantado e que havia enxergado longe. “Depois de um mês daquela nossa conversa, eu e o Valter, por acaso, nos encontramos, viemos a namorar e nos casamos”.

Ai ela me perguntou: “E a sua fada como está?”. Eu lhe disse que tinha de matar um leão por dia para poder merecer o amor da minha Querida Lucy.

Depois desse encontro eu nunca mais vi a Sônia.

Como eu disse no inicio desta crônica, o amor não tira férias.

Laércio
Enviado por Laércio em 26/10/2014
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