Sem mim eu não sou...

Foi numa estrada qualquer; sabe essas estradas que em nada se difere de outras estradas? Isso, é exatamente essa estrada que você imaginou, certeza, todos imaginam a mesma estrada; e olha que não é por falta de criatividade, estradas autênticas é tão raro quanto pessoas que ainda se emocionam fora do horário marcado, enfim, foi numa dessas estradas que eu me vi pela última vez...

Confesso que não dei tanta importância assim ao meu sumiço, afinal de contas, quem nunca jogou tudo pro alto por seis segundos? Isso; seis segundos. Ah que eternidade... De tão fugaz dura uma vida.

Bom, somente uma semana depois comecei a ficar preocupado, até então, nunca havia ficado tanto tempo assim sem dar as caras, cheguei até a pensar em homicídio, credo, isso não, xô pensamentos ruins; minha família também começou a notar a ausência, engraçado que dessa vez eles foram os últimos a perceberam, eu que tive de avisá-los do sumiço, fui o responsável a depor aos policiais e a dizer onde me vi pela última vez. Não demorou muito começou a se espalhar entre os vizinhos todos os tipos de boatos possíveis, uns diziam que eu havia fugido de casa, outros que eu fora sequestrado, alguns mais dramáticos cogitaram até o suicídio, confesso que fiquei perplexo, queria dizer a todos que eu ia voltar, que eu estava bem, no entanto, confesso, não disse porque também temia o pior. Sabe, nunca fui do tipo de dar falsas esperanças, mas pela primeira vez quis mentir e dizer que sabia onde eu me encontrava, mas não pude dizer; dessa vez nem eu sabia.

Na semana subsequente ia todos os dias àquela estrada, ficava horas e horas esperando, e nada, nenhum sinal, pela primeira vez senti o meu coração chorar, não queria acreditar que eu tivesse me perdido para sempre; ah pra sempre, no fim das contas há sempre uma esperança que o pra sempre um dia acabe.

Lá se fora um mês, os vizinhos já tinham como assunto principal a novela das oito novamente, meus pais já tinham se habituado as velhas rotinas, os amigos agora faziam até piadas sobre o sumiço, a polícia já tinha outros casos a resolverem, pela primeira vez me vi só, sozinho, sem mim, sem ninguém, afinal de contas, estar sozinho é não estar consigo mesmo, podemos estar sozinhos de várias maneiras, mas estar só sem a própria companhia é a pior de todas as solidões.

E lá se foram dias, semanas, meses e anos, e pouco a pouco fui me habituando a viver sem mim, confesso que por diversas vezes gritava de dor, com saudades da minha velha companhia, chorara por diversas vezes, principalmente quando via que somente eu sentia a minha falta; para os outros, os outros é sempre mais um outro, um outro vai, um outro vem, comecei a perceber que o luto não passava de uma convenção, chorar a morte por sete dias, depois um outro vem...

Enquanto isso eu carregava a dor amarga de caminhar sem mim, de seguir a vida sozinho, de não deixar pegadas, mas pra quê pegadas se quem está sozinho não atraí nem mesmo o interesse de outro que também anda só?

Ainda hoje insisto em voltar a velha estrada, mas dessa vez não mais na esperança de me encontrar, mas na esperança de que a mesma estrada que me roubou de mim, leve agora pelo menos o resto que ficou.

Se por acaso vocês me virem por aí, por favor, diga a mim que volte, pois eu mesmo nem sei mais quem sou...

Talvez "mim" foi para o mundo do amor, talvez "mim" fora para o mundo real, talvez "mim" não passe de uma miragem que eu mesmo criei para fugir daqui... Desse mundo estúpido onde sonhar é absurdo e a ilusão é a realidade.

Entre mim e você, há um "eu" que não cabe na frase.

Saudades de mim... Talvez num mundo melhor eu esteja com você, sorrindo, amando, sem me preocupar com a estrada que mata sonhos, que massacra ideais, que detona valores... Talvez eu esteja onde mora o amor, onde não há lugar para o medo... Talvez eu em forma de mim esteja lá onde os sonhos são reais, onde tudo é perfeito.

Eu, mim, agora você... Não sei, mas desde que me perdi você ficou, sem estar presente, deixou na ausência a única solidez possível. Agora nem eu, nem mim, nem nós... A estrada continua lá, exatamente, como você; caro leitor, imaginou.

Ando só; nem sei por que.

Luciano Cavalcante
Enviado por Luciano Cavalcante em 14/10/2014
Reeditado em 14/10/2014
Código do texto: T4998211
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