A VELHA CURITIBA DE MINHA INFÂNCIA... E ADOLESCÊNCIA

Na velha Curitiba de tempos idos tinha inverno sim, inverno de verdade, não esse friozinho que faz hoje em dia. Pisávamos na grama congelada e crocante sentindo a brisa matinal arder em nossas faces. Os campos dos bairros do Portão, Água Verde e Novo Mundo ficavam branquinhos, enfeitados de geada. A água da torneira era mais gelada que a da jarra da geladeira.

Na velha Curitiba tinha tardes dançantes no DANC, na Agronomia e na Reitoria. A rapaziada sabia se divertir mesmo que fosse a tarde e a droga que consumíamos era apenas cerveja gelada.

Nos carnavais do Coxa tinha a Escola de Samba "Não Agite", com o Carlinhos Mazza fazendo acrobacias de dar inveja a qualquer sambista carioca. Tinha desfile na Marechal Deodoro, tinha lança-perfume, tinha o bloco das polacas. E os bailes do Operário? Frequentados pela fina flor da sociedade. A Curitiba antiga tinha carnaval, acreditem.

Nos bailes da Sociedade do Ahu, na rua Tomazina,dançávamos ao som dos Garotos Unidos e de Beppi e Seus Solistas. Os Metralhas e o San Jazz Quintet faziam os nossos fins de semana mais agitados. Quem ainda se lembra do Janguito do Rosário e seu conjunto tocando e cantando velhas canções de amor? Tinha programas de auditório na PRB2 e na Rádio Guairacá. Tinha o "Prosinha da Fortuna" da Rádio Emissora Paranaense comandado pelo Elon Garcia e a Tonia Maria, na antiga sede do Coritiba.

Bons tempos. Saíamos do baile a pé sentindo o vento da madrugada, sem nenhum problema de violência. E no meio da névoa encontrávamos as charretes dos padeiros iniciando sua labuta.

No Belfort Duarte tinha Atletiba e as torcidas se dividiam por conta própria; Atleticanos na reta da Mauá e a Coxarada nas curvas e na social. A guerra era de bandeiras; qual torcida tinha a maior de todas, qual tinha mais? Nos gramados desfilavam craques como Krugger e Paulo Vecchio, Nico o zagueirão que nas horas vagas era açougueiro. O rubro-negro tinha Sicupira, Pedrinho e Renatinho. Tinha Charrão e Marco Aurélio. Nas arquibancadas o Laio, Fortaleza Voadora, já tinha pendurado as luvas calejadas de tantas defesas do arco do seu Atlético, mas continuava vibrando com seu time.

Na minha velha Curitiba de infância não tinha pichações, mas tinha as balas Zequinha. A número 200 era a mais difícil: "Zequinha Premiado". A gurizada fabricava seus carrinhos de rolimã. Quantos joelhos esfolados no macadame das ruas empoeiradas.

Tinha as lotações; todos viajavam confortavelmente sentados. Quase ninguém tinha automóvel.

A Escola que eu estudava, pasmem, ficava defronte à Penitenciária do Ahu. Até os presidiários eram mais comportados naquela época.

Saudades da Crush sabor laranja, da Feijoada do Pasquale nos sábados modorrentos do Passeio Público, do Restaurante Tingui e da velha Confeitaria Guairacá.

No Cine Curitiba os garotos se reuniam para trocar gibis e assistir os três filmes seguidos. A sessão começava as duas horas da tarde e só terminava quando estava escuro, quase noite. Lembro do Renato Cegonha que entrou com um pacote de peixes no início da sessão e lá pelas seis horas não havia ninguém a seu redor. O cheiro de peixe podre era insuportável.

Descer a Estrada Graciosa para ir a praia era luxo para poucos. Restava-nos os tanques do São Lourenço, do Bacacheri e o Lago Azul ,no Umbará.

E as pescarias no rio Barigui, na Fazendinha? E os lambaris e bagres do Iraí, em Pinhais? Rios piscosos e de águas límpidas.

Onde andarão os pirilampos que enfeitavam as noites quentes de verão? Riscavam a escuridão da noite com seus rastros esverdeados. Desapareceram, imigraram para outros rincões.

Na velha Curitiba de anos distantes tinha bonde. O cartaz pendurado dizia para o ilustre passageiro ver o tipo faceiro ao seu lado que não morreu de bronquite por causa de um tal rum creosotado.

Nas noites enluaradas tinha seresta. O pinho chorava canções de amor nas vozes apaixonadas dos hoje setentões. Janelas hospitaleiras se abriam e faziam pulsar nossos jovens corações.

O tempo passou e a saudade explode em nosso peito. Não, não é tristeza. É pura nostalgia. É vontade de viver de novo velhas emoções.