Deus ou o boi?


Amigo leitor,quando atingimos e superamos a sexta década de vida,livramos da autocensura e baseados no grande filósofo Nietzsche que dizia:”Os loucos sonham melhor”,temos a liberdade de nos permitir alguns insanos delírios ,uma vez que passamos grande parte da vida comportando como ‘pessoas normais”.Mas,o que é ser normal?É calarmos a voz ante a iniqüidade que assola e assombra aos que pensam?
O leitor,certamente,não está entendendo o que tem a ver Deus com o pobre do boi e,por certo,imagina que o autor voltou a puxar latinha de goiabada pelas ruas!
Apresso-me a responder que não,mas ,na medida em que
reúno argumentos para desenvolver esta crônica,solicito o apoio de mentes privilegiadas que,providencialmente,me socorrerão...
Schopenhauer,certa vez,falou algo que no momento atual de minha vida,veio lançar um facho luminoso ao que penso.Dizia ele ,de maneira tácita,sem medo:”Os primeiros anos de vida,dão-nos o texto e nos próximos trinta,o comentário”...
Sinto que a cada momento,a vida surpreende-me com episódios que calam,profundamente ,o meu Ser.Lembro ao querido leitor,o sentido do verbo calar nesta reflexão.Calar é aprofundar,lembra o calado de um navio que mergulha fundo no oceano.Portanto,os fatos promovem um movimento de mergulho dentro de mim e,dela retorno trazendo fragmentos de mavioso tesouro perdido.
Quem escreve uma crônica deve ficar sempre atento ao padre que se prolonga em devaneios filosóficos em sua homilia e a missa ,onde os fieis começam a tossir,olhar para o lado e a figura do “coisa ruim” começa a ranger os dentes...
Portanto,meus amigos,vou direto aos fatos!Há três dias,atendendo a um menor com 11 anos de idade,criança que acompanho desde nascimento,portador de cardiopatia congênita,tendo operado aos cinco anos com sua pele de uma negritude mais bela que uma noite sem estrelas e o sorriso de lua minguante,a educação nata e nobre,sou surpreendido pela frase seguinte:”DrAntonio Carlos o senhor é quase um segundo Deus!” Nos meus 42 anos de profissão,jamais,ouvira tal comentário e minha reação ,a principio assemelhou-se a um grunhido e minha face tornou-se bovina,perplexa.No instante,seguinte,tentando recompor as ações,indaguei-lhe do “porque”,no que,simplesmente,respondeu:”Eu sinto!”.Antes que tentasse retrucar,aproximou-se meu amigo,o anjo Osvaldo e segredou nos meus ouvidos,outro pensamento de Nietzsche:”Aquilo que se faz por amor está acima do bem ou do mal!”
Minha mente,em convulsão,me atormenta dizendo:Lembra que este mesmo filósofo falou:“Não posso acreditar num Deus que quer ser louvado o tempo todo!“Bem,delirei e conclui:Fui um segundo Deus,apenas,uma vez na vida!Nem cheguei a ser o primeiro!...
Caro leitor,ontem,um grande amigo d’infância presenteou-me com um quadro do grande pintor primitivista Gerardo de Souza de quem o crítico Walmir Ayala,percebendo o talento,disse ser o pintor dos bois:O boi sociedade,o boi manso,o boi cor,o boi homem...
Amigo leitor,desci das excelsas alturas e,realmente,contemplando a figura,aparente,simplória da tela,percebi que,em minhas seis décadas de existência,não passei de uma figura bovina.mansa demais,apesar de minha força,mas,contemplativa,plácida ante as dualidades da vida que desfilaram ante meus olhos bufos...Hoje,portanto,permito-me comentar,ainda que de maneira delirante,louca que,realmente,o Homem é um segundo Deus e um simples boi!
Obrigado a meu paciente Ilderson e ao amigo Paulo Godinho!