Estripulias do vento

Estava eu andando sossegadamente pela rua quando começou um vento forte, pronto para aprontar todas. E o vento sapeca, roubava areia de um depósito de materiais para construção e espalhava pelas ruas deixando tudo meio cinza dificultando minha visão. Era preciso baixar a cabeça e tampar os olhos com as mãos, pois a areia teimava em tomar conta dos meus olhos.

Mesmo assim teria que arrumar um jeito de enxergar para continuar andando e como todo bom brasileiro dei um jeito para conseguir caminhar e proteger meus olhos da areia e ainda observar a façanha do vento.

Olhava as árvores que se estendiam ao lado da linha férrea abandonada e tentava observar seus cabelos que estavam tão revoltos quanto aos meus e fazia um barulho que aos meus ouvidos parecia uma canção. As árvores pareciam ouvir um rock pesado e sacudiam freneticamente seus cabelos pra lá e pra cá.

Eu observava tudo e brigava com as travessuras do vento feito um polvo, tentando dominá-lo e ele insistia em brincar com meus cabelos e meu vestido ao mesmo tempo. Tentava tampar também os olhos com as mãos por causa da areia e ela batia no meu corpo com tanta violência e doía. O vento continuava brincando com meu vestido e eu tentava segurá-lo e meus cabelos sacudiam pra lá e pra cá em meu rosto e faltavam-me mãos para dominar tanta travessura.

De repente ele se fez mais forte e segurei-me ao poste disfarçadamente tentando me manter no chão. Carros passavam e alguns ocupantes olhavam aquela situação achando engraçado. Eu desaprovava aqueles sorrisos e até aquelas máquinas de lata pareciam sorrir. Eu ali já bem perto de casa não sabia como vencer o vento para chegar.

O vento piedosamente soprou com menos intensidade e aproveitei para caminhar, porém o vento agora meio camarada me empurrava ajudando-me a chegar mais rápido. Ainda com medo das árvores caírem na minha cabeça, passei bem longe delas e apenas as observavei.

Finalmente cheguei ao portão de casa e o vento continuava assobiando. Entrei correndo e finalmente me livrei daquela ventania. Cabelos e corpo cobertos de areia e até dentro da boca, só mesmo um bom banho para livrar-me dela. O banho me renovou, eu era outra pessoa, deixara de ser uma mulher de areia.

No outro dia de manhã saio de casa e vejo as mesmas árvores dançantes, descansando do grande baile do vento. Apenas galhos e folhas espalhados pelo chão contavam a estripulia do vento. O vento transformou a rotina de ontem em momentos assustador, engraçado e belo ao mesmo tempo.

Assustador pela força, engraçado por perdermos nossa pose e partir para a defensiva sem muitos resultados e a beleza do assobio do vento e o barulho as árvores as transformando em seres dançantes. O vento mostrou seu poder em alguns minutos e modificou a paisagem do meu caminho rotineiro dando vida a tudo, até a uma garrafa vazia jogada ao chão criou vida e sai voando. O pássaro que sempre voa sem perder a direção, perde a direção e em vão tentar prosseguir seu voa.

Por um momento o vento tornou-se dominador, senhor do mundo sem que ninguém pudesse dominá-lo. Ele brincou, dominou e saiu sem pedir desculpas para fazer estripulias em outros lugares.

Débora Dantas dos Santos