OS OLHOS DO CRISTO

Vários dos “e-mails” que recebo trazem anexos e alguns são do tipo “arquivo de filme”. Dentre esses há os que veiculam mensagens de profundo sentido e, ainda, os que trazem imagens que, de tão belas, costumo arquivar em uma pasta específica. De vez em quando, abro a referida pasta e passo em revista alguns deles.

Ontem, à noite, já estava quase desligando o computador quando resolvi dar uma olhada lá nos arquivos. Dei um clique no ícone respectivo e comecei à exploração com certo alheamento. Não demorou quase nada e encontrei um que trazia imagens impressionantes.

Era um filme documentário que mostrava imagens do Rio de Janeiro filmadas de bordo de um helicóptero, em vôo sobre a famosa região da Baia da Guanabara.

A qualidade técnica era sem qualquer tipo de restrição, pois estava em HD e as tomadas tinham a visada de um exímio representante da arte fotográfica.

Já havia visto e revisto as cenas. Todavia, naquele momento, minha atenção foi acentuada em função de um jogo de câmera que num golpe de aproximação permitiu que olhasse com mais detalhes o rosto do Cristo Redentor. Nele, com detalhes, os olhos.

De pé, sobre a montanha do Corcovado, Jesus, de braços abertos, tinha a cabeça ligeiramente inclinada para baixo, aparentando observar um campo de ampla área da cidade.

Pela nitidez da filmagem pude ver os Seus olhos com o olhar do sentimento. A impressão que tive foi a de que, aquele olhar revelava, além da tristeza, certo desânimo ou até mesmo, cansaço.

Na tentativa de levantar uma justificativa para aquele olhar e para o que ele representava, procurei imaginar o que os olhos do Cristo estavam vendo e por que estavam tão tristes?

Confesso que tive uma nesga de arrependimento por ter tido a ousadia de imaginar-me com estofo possível para esse tipo de pretensão. Afinal, como imaginar ver o Rio com os olhos do Cristo? De imediato, minha cabeça foi assomada por um turbilhão. Estava a ponto de desistir quando uma voz, lá dentro, deu um comando de exortação: “Vá em frente! Não recue!”.

Então, meio ressabiado e inseguro, fingi que eu estava lá, no alto do Corcovado, tentando ver o que o Cristo estava vendo. Mas, antes, olhei bem para os olhos Dele. Notei que deixavam perceber um certo grau de tristeza e que dos cantos próximos ao nariz, podia notar manchas que desciam até a metade das faces.

Não eram somente marcas de lágrimas! Eram marcas de lágrimas que escorriam por sobre uma formação escura, de limo, indicando que o Cristo não chorava recentemente. Ao contrário, sua tristeza O vinha rondando por um bocado de tempo. As manchas testemunhavam isso.

Afinal, qual o motivo de exatamente eu ter tido a idéia de olhar os olhos de Jesus a partir daquela imagem no vídeo? A resposta não se fez esperar. Outra vez, a vozinha se manifestou: “É porque quase ninguém está interessado em olhar o Cristo, de frente! Estão ensimesmados, olhando para o próprio egoísmo e para as coisas que acontecem ao seu redor, principalmente, enredados com as suas próprias aflições!”. As pessoas andam cabisbaixas e não têm ânimo para olhar para o alto”!.

Então, alentado pela vozinha interna, pude enxergar um pouquinho das tais “aflições” que faziam até o Cristo verter lágrimas:

De lá de cima do Corcovado, com a amplidão que se descortinava, era possível ver, entre as antigas belezas da topografia carioca, bastante do fétido que circulava pelas entranhas da urbe.

Gente drogada, perdida, perambulando pelas ruas e praças, como zumbis, curtindo os efeitos de todo o tipo de droga, sendo finalizados pelo crack. Crianças, sem escola e sem família, manipuladas pelo tráfico, pelas esquinas e becos, vendendo pós e fumos. Garotas e garotos desfilando suas carnes para a luxúria interna e do turismo.

Gente, moribunda, esperando o golpe final, atirada pelos corredores dos “hospitais” públicos. Outro tanto mendigando um comprimido ou gota de medicamento nos postos, também oficiais.

Trabalhadores “ensardinhados” nos vagões da estrada de ferro, nas ruas e avenidas, nos ônibus, cheirando a fumaça tóxica de óleo diesel. Nas favelas, que agora chamam de comunidades, o povaréu assustado, se vê premido pela ação do tráfico e seus tiroteios com a polícia.

Entre as paredes dos palácios e prédios nobres, políticos mancomunados com criminosos confraternizam e urdem novas ações, sempre em detrimento do patrimônio e do bem público.

Pelas ruas e avenidas as pessoas sofridas manifestam seu desagrado, em ondas de protesto diante do Palácio e da residência do Governador, acuadas pelos conluios deletérios de policiais venais com o crime organizado ou não.

Nos púlpitos e templos, divergências doutrinárias em Seu nome e em nome de Seu Pai acirram ânimos, fomentam rivalidades e ódios, enquanto aproveitam o poder de persuasão para obter vantagens pecuniárias dos fiéis desejosos de garantir um lugarzinho no céu.

Entendendo o lacrimejar do Cristo, ainda pude observar a enorme distância entre o esbanjamento da riqueza e a carência geral da pobreza...

Em dado momento, pude perceber o gesto desesperado do Cristo. Com um profundo suspiro de desânimo, olhou para o céu, como quem diz, mentalmente, alguma coisa e, em seguida, elevou as duas mãos cobrindo os olhos... Desistira de manter o seu olhar sereno e doce para a cidade que um dia foi maravilhosa.

Tive a impressão de que estava fazendo algum esforço para sair do seu pedestal, no Corcovado, e voltar para a companhia do Seu Pai...

Anunnak

Sobradinho-DF

Amelius
Enviado por Amelius em 27/07/2014
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