Janela

Eu abri a mesma janela, incontáveis vezes, no mesmo dia, na mesma semana, por semanas. E quis ver na calçada, seus pés. E não vi, então fiquei com medo de ter derretido entre o concreto. Eu enxerguei em tantos olhos uma cor como a da terra, ao se misturar à água, e então joguei água por todo meu rosto esperando abrir os olhos e não me ver no espelho. Era normal pra mim enrolar tudo nas toalhas e guardá-las, sem sentir o úmido novamente, e procurar qualquer outra coisa seca pra passar no meu corpo. Qualquer algo novo, que me desprendesse do que, sem querer, grudou. Os meus pés caminhavam sozinhos há dias, descompassados, tortos e tropeçando. E minhas mãos, apesar de sempre serem frias, estavam congeladas. Havia olheiras, e outros roxos, que não saravam. Noites que antes eram bonitas, brilhantes e comparadas aos meus olhos, hoje são como breu. E eu caminho com os pés no cimento. Nada tem melhorado, eu sei que não era fácil e tão pouco calmo, mas era real. Cada vez que eu encostei-me a você e não disse nada, cada vez que eu parecia distante, eu imaginava andar no breu de novo, mas eu sabia o que era ver luz no breu, porque você era a vela, e não queria ficar cega de novo. O que ritmava meus passos, e não me deixava tropeçar. Faz falta enxergar pelo menos seus olhos. Ou sua mão, ou não enxergar nada, mas sentir sua boca na minha. Eu não guardei a toalha, ela está jogada em cima da minha cama. A janela ainda está aberta, e dessa vez não é porque eu gosto, mas é porque eu gosto de ver você nela.

Carmen Tina
Enviado por Carmen Tina em 15/07/2014
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