A BOLA E O GOL

Pode descansar um pouco... Fez sua parte de passar a linha... Agora é comigo. Entro para a história. Ficarei na memória. O primeiro de uma goleada, o de honra do perdedor ou o decisivo no minuto final, que importa? Sou sempre único. Pé direito, ombros, barriga, de bico, bicicleta, cabeça? Seja lá como foste dormir na rede sou eu quem causa frisson, alegrias e tristezas. Gritos inflamados, lágrimas silenciosas.

Você não tem humildade. É incapaz de reconhecer que fui desenvolvida ao longo dos anos para facilitar sua existência. Era pesada, emagreci. Fui de couro duro, hoje sou macia. Você não mudou nada. É a favor ou contra. Apenas isso.

Ora, bolas! Fique na sua mera posição de coadjuvante. Aceite que sou eu o protagonista. Objeto do desejo. Símbolo de poder. Você é um mero instrumento de meu instante de glória. Quem se lembra de você? No máximo que é redonda e cheia. Decido quem vence e quem é o derrotado. Eu sou inesquecível. Qual torcedor não me tem na memória pelo menos uma vez. Consagro pernas-de-pau. Faço a desgraça de um excelente goleiro. Sou até marca registrada de locutores.

Ah! É assim, ingrato? Esquece que se eu murchar no momento final, uma fração de segundo antes magnetizar-me às luvas do goleiro ou às traves, você não existe. Sou eu quem te embelezo, depois de muito sofrer com chutes a esmo e pisões, entre outras atitudes indignas a uma dama que sou. Pois de hoje em diante ficarei o mais distante possível das ambicionadas redes.

Epa! Não exagere... Não precisa chegar a tanto. Pensando bem, tem certa razão. Desculpe-me. Faço-lhe uma promessa como prova de minha gratidão. Às vezes, quando o impulso de festejar de quem a colocou na rede lá não for maior, mandarei buscá-la e cobri-la de beijos. Está bem assim?

Peça também que não me chute para o alto. Leve-me com carinho e acaricie-me até o meio de campo. Melhor ainda se erguer-me como a taça de campeão mundial.

Eu não vivo sem você...

Nem eu...