Companheiros de Solidão – A Dança dos Vagalumes.

Companheiros de Solidão – A Dança dos Vagalumes.

Enquanto permaneci sentado no balanço em meu jardim, após a despedida do sol, vi os vagalumes em seus pequenos vôos iluminando a penumbra. Os mais variados pensamentos inquietavam minha mente enquanto admirava os singelos bailarinos alados, na leveza de seus fulgores, dançando alheios ao drama humano:

Percebo que nossa geração sofre com o desânimo, a falta de esperança e tantos outros sentimentos negativos que trazem algumas peculiaridades ao dia a dia. Às vezes é um golinho de cachaça, outras é o cafezinho de fim de tarde; pode ser também aquele papo regado com cerveja no boteco da esquina, quiçá um cigarro no terraço ou um cachimbo no jardim; a melodia triste extraída das teclas do velho piano; as carícias trocadas junto ao júbilo dos corpos nus entrelaçados entre quatro paredes, também trazem os momentos que aguardamos ansiosamente...

Começam na forma de uma simples ocasião prazerosa, como diz o senso comum: “pra desopilar”; com o tempo essas atitudes repetidas se tornam um hábito, vindo a ser em seguida uma mania, até que, por fim, uma necessidade.

São os nossos companheiros de solidão, minutos de fuga, aonde cada pessoa tenta jogar uma pá de terra na cova da aflição. Aflição esta, variável em grau e em “por quês”, de acordo com a vida de cada um.

As dificuldades da rotina, o medo do fracasso na profissão, da falta de sorte no amor, as incertezas do amanhã, as pontas soltas e outras questões mal resolvidas do passado, os desejos que não realizamos e os sonhos que esquecemos que um dia sonhamos... Ao nos darmos conta, reconhecemos que nós mesmos nos proibimos de sonhar.

As ilusões e fantasias, o presente não permite que perdurem. A passagem do tempo, implacável e impiedosa impõe mudanças dolorosas: Muitas coisas que antes fazíamos, agora não podemos mais; muitas pessoas com quem convivíamos, agora moram longe, sempre estão ocupadas, ou não falam mais conosco, a amizade não é mais a mesma. Aqueles que cresceram junto a você estão se casando e tendo filhos, e isso assusta. Olhamo-nos no espelho questionando se seria possível nos encaixarmos em tantos padrões de comportamento. O sentimento que mais aflige é aquele que nos faz achar que não pertencemos a este mundo, ou que nascemos na época errada.

O apego aos nossos companheiros de solidão cresce na medida em que os dias amargam. No fim das contas, é neles que encontramos o conforto da semana. Reconhecemos que o sofrimento muda apenas de feição e intensidade, porque marca sua presença em todos os lugares e ocasiões, tornando-se uma das poucas certezas da existência.

Se não sofremos por motivos pessoais, sofremos por aqueles que amamos. Assim sendo, na busca de alento e acolhimento, as crenças tentam explicar as causas e os fins de tudo isto. Por um período enrijecemos o ego, maquiando o medo e o temor, sob um novo nome: “FÉ”.

Dizemos que temos “fé” de que um dia tudo há de melhorar, e que nós seremos salvos... Dizemos isto sem sequer saber qual a “danação” que supostamente estaríamos condenados.

A fé inabalável perdura até percebermos que as luas tingiram de branco os nossos cabelos, e o tirano do tempo em sua inerente impermanência, sempre nos exige a necessidade de adaptação.

Comumente esquecemos tais questões na presença dos amigos ou durante a correria das obrigações. Quando as angústias finalmente dão trégua, não nos permitimos usufruir da paz, porque estamos sempre em posição de defesa, assustados ou desconfiados, aguardando a próxima decepção, afinal, a vida passa por ciclos: tristeza, felicidade, tristeza, felicidade... E assim sucessivamente.

Ao sair de meus devaneios, o canto dos sapos e rãs enchia a noite, e os vagalumes ainda faziam suas coreografias no ar, enquanto o meu cachimbo esfriava. Ao fundo na paisagem, encoberto pela sombra, fracamente iluminado pela luz fria da lua cheia, me olhava imparcial o majestoso e imponente monte, que horas antes, sustentava em seu colo toda a delicadeza de um arco-íris.

Preparei-me para entrar em casa, mas antes dei uma derradeira olhada para ele, pacientemente plantado na terra, cujas observações da humanidade e seus eventos datam desde quando o mundo era jovem. Com o por do sol, o arco-íris e a dança dos vagalumes ainda vívidos em minha memória, percebi que a beleza da natureza é um presente para o homem, cuja finalidade é nos ajudar a colorir o filme da vida, quando esta estiver sendo filmada em tons de sépia.

Os vagalumes me ensinaram hoje que quando eu procurar algum companheiro de solidão devo olhar ao redor, pois elementos mais sublimes e etéreos são capazes de levar esperança aos nossos lamentos. Esse mundo ainda guarda muitos encantos.

Hilton Boenos Aires

21 – Maio – 2014.

Caruaru – Pernambuco.