PAZ E AMOR

Pouco importa se lhe passa a memória ou a desavença, cada cabeça que cuide do próprio pensamento. Haveria uma verdade, caso contrário e não verdade seria, mas um palpite, alguma trágica possibilidade boa, qualquer inspiração; ou há de ser isso tudo junto, ou há de ser verdade nunca: verdade é uma. E isso cada cabeça sabe, embora nem todas cuidem daquilo que fazem. Pouco importa se o visto se vê da vitrine insidiosa colocada como informação coletiva; pouco importa se um conto é não mais do que meia verdade toda; cada cabeça tem a sua, e a ruptura da modernidade com o passado é a vontade ou a compulsão em perder a cabeça. Verdade que toda cabeça sabe, maldade que nenhuma cabeça assume.

Não: o fato é não! – ninguém aqui deveria estar à margem de si. Não: nunca mais deposite a culpa no fato que alguém mais não tem. Não: a rua limpa é uma prova de que alguém se importa com ela.

Sabe você o que – além do que vê na TV? Um bem maior do que os olhos notam, sabe você o que isso vê? Oras, cabeças à parte, por que você não usa a sua? Quem de nós se importa quando um grão não raciocina? Quem de nós se agita quando uma estrela renuncia? Quem de nós percebe que uma anêmona nunca se alfabetiza?

Pois é: o ódio é triste, pois é.

Desliga a TV e compare com a rua. Reparou que o dia-a-dia é diferente da exceção noticiada? Pois bem, quem cansa de ser diferente? Repare que a posição circular do mundo e das coisas mostra que de fato não há extremos, senão apenas pelo que mal nos vemos: fosse vida mero fundamento e nem haveria a rima.

Pensei – e ainda era primário: porque a coisa contada nunca é de fato o rabo do bicho encontrado? Porque um pavão será sempre um pavão, tentou-me (e tenta) sempre me mostrar o velho, e sempre assim a fazer cara de mundo, e sempre a se proteger no tempo. O que podia eu senão, ante o tempo ou lutar contra o mundo, contar com a minha cabeça? – e cada cabeça tem a sua.

Acha você então que os mecanismos do mundo não deram conta disso? Pensa você que pensa pela sorte da sua cabeça? Coitado eu era... Coitados, somos...

Pensa que a morte não passa pela sorte fortuita das nossas cabeças? Pobre distração em vão... Pobre rima que fajuta a falácia de quem conta as horas com palavras e uma história tão pobre quanto o nosso cotidiano. Importa que todos perceberam: o quanto de grosseria havia-lhe nas intenções. Devolva-nos a criança que daí não saiu, mas morre, de pouco em pouco, no adulto-fracasso que acaba com o auge dos dias: o mundo exige, a gente exige, o tempo acaba: nenhum sistema pensou diferente em como tratar os troços assim: saia daí e aí fique já: você que livre seja para pensar: mas não há liberdade em pensamento atado.

Pareceu-lhe óbvio: o diploma lhe põe livre. Mas não. Preciso e tão lógico: mas lógico que o excesso de classe o faz ser alguém (de bem). Mas não. Claro e tão claro: que a luz do futuro próspero é ostentar grilhões. Mas não. Repetir o discurso que a porta aberta contraria, nos diga: a verdade que há.

Sim, é estranho estar vazio. Sim, é um recurso vago repetir os termos. Sim, ignorar os fatos de fato o faz tamanho odioso. Calejar uma raiva não nos coloca acima. Mas nos tira do lado. Olhar para baixo e não ver ninguém, melhor indício de realidade: mas aí você prefere usar o tacape, aí decide que a cólera é um foco da falta de fé, aí resolve que as fogueiras ainda fazem algum sentido – e, por ódio, não sabe que elas jamais fizeram, e, por ódio, esquece o que nem ainda aprendeu, cai na vala jocosa dos ascos: sim, é estranho achar que isso é tão normal.

Pouco importa se o que lhe passa é tristeza ou euforia.

Infelizmente, jamais poderemos dizer a cada um que cuide de seu apetite.

Verdade seja outra.

Na fome: ninguém sente.