Jogadas da vida
 


Estamos sempre entre uma jogada e outra, disputando o gol da vitória. Ninguém sente prazer com as perdas e danos, todos entramos em um jogo para ganharmos a partida e, de preferência, carregarmos euforicamente a taça da merecida vitória. Às vezes não encontramos uma torcida a nosso favor, para nos incentivar; ou mesmo para comemorar o final de uma simples, mas decisiva, partida.
Saber que temos ao nosso lado uma grande torcida, faz uma inexorável diferença, e se o jogo for bem sucedido, os gritos e aplausos esfuziantes farão da comemoração não somente uma grandiosa festa compartilhada , mas também, elevar-se-á o nosso ego e nos sentiremos como as celebridades – o senhor dos senhores. E se, por ventura, a derrota cair sobre nossas cabeças, será que nossos amigos torcedores chorarão conosco? Manter-se-ão fiéis aos nossos projetos e sonhos? Continuarão depositando a confiança em nós? Ou virarão a casaca deixando-nos a sós?
A vida é um grande jogo, sem falsos exageros, o grande jogo de todos os brasileiros e brasileiras que entorpecidos pela torcida fanática dos grandes clubes, não chegam a se dar conta de que a sua vida é mais importante, e que somente a ela, você deve investir toda sua luta, força, coragem, confiança e esperança.
Digo isso porque não temos duas vidas - com todo respeito às religiões que creem na reencarnação – mas não cabe aqui uma discussão de cunho religioso, talvez sim, filosófico.
Terei outra oportunidade, senão for nesta vida, de realizar meus sonhos? Se é que os tenho, porque há pessoas que infelizmente, não acreditam na possibilidade de realização pessoal? Acreditam sim no que a mídia, a net lhes oferece. Consumismo desenfreado, hedonismo - prazer pelo prazer, simplesmente, sem qualquer comprometimento,isto é, total subserviência ao exercício do próprio egoísmo.
Quantos amigos você tem no seu face book? Você pode contar com todos eles para te apoiarem em um momento de necessidade? Onde mora a felicidade hoje? Fora de você. Possivelmente, nas aventurosas viagens aos paraísos virtuais.
Todo esse preâmbulo fez- se necessário para que você entenda que, hoje mais que ontem, carecemos de jogo de cintura para podermos sobreviver. Não importa mais a grande vitória, mas tão somente o saber viver dignamente suprindo suas necessidades básicas . Pois a vida, de fato, é um jogo e só vence que estiver preparado, ou seja, em constante treinamento da sua performance em todas as dimensões humanas.Quero dizer que o sucesso, é pra aquela minoria, capaz de pensar, refletir,  analisar seus projetos, e a partir dessa análise, sob todos as dimensões, conseguir concretizar o seus objetivos.
Tenho tido a oportunidade de conversar com pessoas de classe média e pobre e a constatação é quase sempre esta: Todos inevitavelmente estão empenhados em jogar com a sorte para ganhar, superando as dificuldades de cada etapa dessas jogadas que a própria vida lhes impõe.
Começo a relatar a história de vida de uma professora primária que na década de cinquenta apaixonou-se por um empresário que lhe prometera uma vida repleta de amor e felicidade.
Ora, quem resistiria a uma proposta dessa natureza, se isso é tudo que racionalmente e emocionalmente toda mulher deseja na vida. Casar-se, construir uma família, ser feliz,e assim, perpetuar a espécie humana através dos filhos.
Findo o momento do encantamento após o casamento, o marido da senhora Silva, não a permitiu lecionar, com o propósito de que necessitava da sua colaboração na cozinha de um de seus restaurantes. Assim permaneceu por longos anos à beira de um fogão à lenha ajudada por uma escrava forte e alta, se comparada à fragilidade e a baixa estatura da senhora Silva.
Logo ficou grávida de se sua primeira filha e após o nascimento da primogênita, deu à luz um a lindo menino. A felicidade completou-se com herança de um casal de filhos. Entretanto, como nos diz Schopenhauer à felicidade é algo transitório. E logo a senhora Silva começou a experimentar o peso do braço do marido sobre seu corpo, quando algo não saía de acordo com seus planos.
Aos poucos a senhora Silva passou a ser agredida com frequência por qualquer motivo, como por exemplo, quando o alimento não saía na hora determinada por ele. Ou quando o sabor do alimento não lhe agradava.
Assim que os filhos começaram a entender a injustiça em que a mãe vivia, pois, assistiam as constantes agressões sofridas por ela. Esta decidiu denunciá-lo. Porém na década de 50, nem se cogitava a “Lei Maria da Penha”, então o marido era preso por alguns dias, mas depois a própria esposa pedia a sua liberdade.Por medo de não dar conta de gerir os negócios, ela acabava retirando a queixa, com a promessa do marido de não mais usar de agressividade contra ela. Ocorria que ele nunca conseguia cumprir com as promessas. E não demorava muitos dias para surrá-la  novamente por qualquer besteira. Até que o marido resolveu se vingar das constantes prisões e ameaças da esposa. E resolveu surpreendê-la atacando-a pelas costas com uma faca em punho, quem a salvou da morte foi a escrava robusta que se armou de coragem para imobilizar o patrão e assim salvar a sua patroa e amiga da cruel brutalidade que a teria levado a morte.
A partir de então a senhora Silva decidiu retornar para a sua cidade natal- Niterói – onde vez concurso para lecionar em escola pública e por felicidade passou e iniciou assim uma nova etapa de sua vida profissional. Por consequência teve que deixar com o pai os filhos, pois este possuía condições financeiras de criá-los, enquanto a ela procurava se reerguer e resgatar sua condição de cidadã independente.
Os anos se passaram a filha concluir o 2º grau, iniciou a faculdade de letras e seguiu a profissão da mãe. Passou a morar em um apartamento sozinha, e nunca quis se casar, pois na sua memória havia registro, de uma experiência muito negativa do casamento entre os pais. Passado um tempo quando a mãe se aposentou por sugestão da filha veio para Nova Friburgo para fazer companhia a filha que se sentia muito só, e que já sofria a algum tempo de depressaõ aguda.
O seu irmão Antônio continuou morando com o pai até o seu falecimento e herdou praticamente todo o império deixado. Este também não se casou. Mora, ainda hoje,  só em um apartamento sem ter nenhuma relação com o sexo oposto. Segundo a filha ele ficara traumatizado com o fato do pai tê-lo obrigado a manter relações sexuais com uma prostituta paga, para iniciá-lo,aos treze anos de idade, na vida sexual. O trauma foi tão grande que até hoje, Antônio tem um comportamento estranho, não consegue conviver com nenhuma mulher. Não teve cabeça para estudar e nem sequer trabalhar, hoje vive de renda dos imóveis deixados pelo pai como herança.
Infelizmente a sua irmã, pouco viveu, aos quarenta anos, vítima de uma forte depressão, veio a falecer deixando o seu apartamento para a mãe. A senhora Silva vive até hoje, em um outro imóvel, para apagar a lembrança da filha, vendeu o apartamento e comprou um outro onde reside até  hoje. A grande sacada da senhora Silva foi ter tido a coragem de deixar os filhos numa década em que a mulher separada do marido não tinha uma boa aceitação perante o meio social. Mas ela soube jogar com sua determinação e focada no seu futuro e preservação de sua vida, ainda que afastada dos filhos, preço que escolheu pagar para se ver livre de um homem violento incapaz de medir as consequências de seus atos, e que fez por conseguinte os seus dois filhos ficarem no banco de reserva, tirando-os a oportunidade de serem eles mesmos senhores de suas histórias, jogadores eficientes de suas vidas, por consequência sujeitos livres para realizar suas escolhas.
Nem sempre a riqueza conduz a felicidade, a maioria das vezes felicidades são pequenos fleches que se nos apresenta, tão velozmente, que nem nos damos conta de seus efeitos benignos, restando-nos apenas, pequenos resquícios de sua lembrança. É como nos fala schopenhauer: "O que marca a nossa existência não é a felicidade, mas sim o sofrimento constante. A felicidade é algo transitório, que simplesmente nos engana por alguns momentos, até que voltemos ao nosso estado original de crítica e descontentamento."