O ADEUS AO LEPO LEPO

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Versos como “eu sei que vou te amar por toda a minha vida eu sei que vou te amar”, de Vinicius de Morais e Tom Jobim e “como é grande o meu amor por você”, de Roberto Carlos, concorrem com o verso “ra ra ra ra ra ra ra o lepo lepo”, cantado e decantado no último carnaval na voz da banda baiana Psirico; muitos outros artistas também regravaram essa canção por que viram “nesse verso tão singelo” a possibilidade de alguns minutos de fama nos palcos brasileiros. Não há como questionar o poder do “lepo lepo”, uma vez que contagiou milhões de pessoas fazendo-as repeti-lo por todo o Brasil com o orgulho de serem atuais e modernas.

Mas o que diferencia o Lepo Lepo das canções de Roberto Carlos e de Vinicius de Morais e Tom? Uma delas pode ser considerada melhor que a outra? O que faz com que milhões de pessoas cantem tanto o Lepo Lepo? A popular canção de Vinicius e Tom foi lançada na década de 50 e já foi eleita pela Revista Rollin Stones a 24ª melhor música da história mundial. E meio século depois de seu lançamento ocupa um importante lugar na novela da Rede Globo “Em Familia” como trilha sonora. A canção do rei Roberto lançada em 1967 virou hino nacional e hoje é conhecida por todos independentemente de faixa etária.

Já a canção “Lepo Lepo”, lançada em 2014, apesar de ter rendido milhões a alguns de seus intérpretes e de ter 3 milhões de acessos no Youtube em apenas três dias, vive seus últimos momentos de vida. Em poucos dias ninguém mais se arriscará a cantá-la em um show ou mesmo na roda de amigos a fim de não pagar mico, uma vez que já estará fora de moda. Ela cumpriu sua missão em tempo recorde: menos de quatro meses. Enquanto as duas outras citadas possuem juntas mais de 100 anos. As canções compostas pelo poetinha carioca, pelo compositor da Garota de Ipanema e pelo capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, considerado rei da música brasileira, embora tenham objetivos comerciais, expressam também objetivos artístico, poético e afetivo. No “Lepo Lepo”, entretanto, apesar de seus defensores afirmarem que a música traz uma reflexão sobre a vida social dos brasileiros e de ser um ritmo contagiante pra dançar, não é fácil vislumbrar nessa letra outro objetivo além do entretenimento lucrativo. Aliás, essa é uma tendência já preconizada pelo filósofo alemão Adorno há mais de seis décadas, quando cunhou o termo indústria cultural. Ele se referia a utilização da arte apenas com fins lucrativos, esquecendo-se da finalidade artístico-cultural que pode levar a realização interior do ser humano e a contemplação do belo presente na obra de arte.

Uma enxurrada de artistas atuais pensa a música não pela sua qualidade enquanto obra de arte, ou seja, pelos aspectos reflexivos ou românticos da letra, pela sua qualidade rítmica ou pela boa colocação de seus acordes. Contudo, a moda é criar onomatopeias que tenham relação com o sexo e consequentemente com o consumo de bebidas. É claro que quem lucra com isso são as grandes empresas de bebida alcóolica que em um único carnaval arrecadam milhões dos nobres e singelos brasileiros. Muitos dos artistas criadores dessas letras continuam a ver navios, ou seja, como diria Marx, alienados de sua própria obra. Claro que muitos artistas brasileiros continuam a produzir músicas de qualidade apreciada inclusive pelos jovens.

Eu não quero aqui fazer um juízo de valor no sentido de condenar as novas tendências musicais. Afinal, se essas músicas atraem milhões de pessoas, sem dúvida tem algo de significativo. Porém, outro aspecto deve ser considerado: uma música que dura apenas quatro meses de sucesso pode ser considerada uma boa música? Boa música não seria a de Vinicius e Tom que já roda no Brasil e exterior há 58 anos? Será se o sucesso dessas onomatopeias musicais (como Lepo Lepo, cavalinho, e outras do carnaval de 2013 que já não lembro mais) não seria resultado do espaço privilegiado que a grande mídia dá a elas, enfiando-as de goela abaixo no estômago de todos e deixando-os praticamente sem opção de ouvi outra coisa? Depois do lepo lepo pode vir no próximo carnaval o “treco treco” e você não terá escolhas, vai ter que ouvir dia e noite sem parar até sentir-se um homem ou uma mulher moderna. Nesse sentido deixo o seguinte questionamento: quem manda em seu gosto musical? E a sua liberdade onde fica?