UMA CASA SURREAL

Você é um abestado se pedir para uma virgem que explique em detalhes como é a dor do parto; é o mesmo que perguntar para um representante nosso no governo o valor exato do salário mínimo. Isto é inócuo, pueril e vexatório.

Quem faz é aquele que sabe!

Meu filho, o Conde Baltazar, deliberou com ele mesmo, que o mundo é muito complexo e aparentemente sem sentido e absurdo. Resolveu então dar significado a sua vida e vive-la de maneira sincera, pura e selvagem construindo tão e simplesmente uma cabana no meio da floresta.

Foram tantos os conselhos meus, mas contra argumentados fortemente pela sua axiomática fé e inabalável decisão de seguir em frente com seu projeto salvador da vida. Queria com isso, de qualquer forma, chegar a uma vida gratificante, saudável, ultrapassando para isso qualquer obstáculo que se opusesse.

Não valeram meus insistentes apelos nem minha experiência. Ele se jogou de corpo e alma na realização de seu inocente sonho.

Para fugir do arquétipo mundo nojento e cheio de amarras resolveu ser simples, e ele mesmo construir o que ele chamaria de berço natural e livre da natureza. Foram muitos dias de árduo trabalho para abrir uma picada na mata densa, e ao final dela uma clareira. Dias e dias batalhou, suou a cântaros, criou calos doloridos nas mãos, e aos poucos se rendeu vindo pedir arrego e algumas sugestões.

Ajudei logisticamente na compra do material que faltava e dei alguns conselhos práticos:

- Não se esqueça do plumo, nível e esquadro na hora da construção.

Tentou iniciar a obra.

Só tentou.

Vencido pela pouca experiência em construção, pediu arrego a um assentador de pedras. Por sinal, vi alguns trabalhos em pedra desse artífice e me rendi ao capricho dele.

- Ele vai assentar as pedras e levantar para mim as paredes.

- Mas meu filho! Comentei preocupado com ele.

- Ele é um artista da pedra e não da madeira.

Tão pouco ligou para mim.

A casa foi construída. Pequena, singela, mas infernalmente radical.

Um artista surrealista jamais usará um esquadro, plumo ou nível em suas obras.

Incrivelmente a casa existe. Para quem olha de longe é uma verdadeira pintura surrealista – Bisonha, irreal, exótica plantada disforme no meio da floresta.

Eu acho que o Conde Baltazar não concorda mesmo com nada deste mundo, pois acabou transgredindo ao por violentamente as leis de Newton em xeque.

A casa projetada para ser uma figura retangular acabou sendo um trapézio. As paredes que eram para ser perpendicular ao eixo do horizonte acabaram pedindo arrego, inclinadas para deitar.

Mas esta casa existe e resiste. Está lá soberba e amparada.

Permanecerá de pé, gloriosamente grotesca, enquanto as quatro árvores que a sustentam não forem abatidas.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 18/05/2014
Código do texto: T4811262
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